Conto das terças-feiras – As velas do Mucuripe
Conto das terças-feiras – As velas do Mucuripe
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE – 31 de maio de 2022
Embora o Ceará seja um dos maiores produtores de pescado do Brasil, maior percentagem é atribuída à pesca industrial, realizada por empresas que empregam moderna tecnologia e grandes embarcações. Por outro lado, a pesca artesanal luta com dificuldade para sobrevive, trabalhando sob condições arriscadas, sem grandes retornos financeiros. Quase sem ajuda do poder público, a atividade artesanal, em Fortaleza, e em toda a costa cearense, está prestes a desaparecer, principalmente pela concorrência das grandes embarcações e ainda porque muitos filhos de pescadores não estão seguindo a profissão de seus pais. Um desses filhos, Antônio Ambrósio, deixou sua cidade natal, também zona de pesca, e veio procurar emprego na capital cearense. Não encontrando o emprego desejado, alojou-se próximo à praia do Mucuripe. Com seus 26 anos trabalhando nessa atividade, conhece tudo do ramo, os peixes, dos regimes de ventos, obedece a regras bem conhecidas de uso das marés, das correntes, da sazonalidade da pesca, e o principal, como navegar em jangadas ou embarcações semelhantes etc.
Ambrósio, todos os dias desce até à praia, para observar a partida das jangadas, e ver se consegue ir pescar em alguma delas, no desejo de fazer, pelo menos, o necessário para uma refeição. Já em número reduzido, fica difícil conseguir concordância entre as tripulações para o aceite de sua vontade. Cedo ele percebeu que as incursões de grupos de jangadas estava ficando cada vez mais raras, com participação de tripulante diminuído a cada dia.
Sem alternativa, passou a esperar pelas jangadas à tardinha, nos seus retornos. O intuito era conseguir alguns peixinhos para cozinhar na casa de dona Nana, que lhe emprestara uma pequena cobertura e uma rede, para não dormir ao relento. O produto era dividido entre os dois, a senhora contribuindo, ainda, com duas colheres de arroz e a farinha, para fazer o pirão, que Ambrósio sabia fazer muito bem.
O pouco que os amigos lhe davam foram ficando escassos, e dona Nana o ameaçou retomar o espaço que ele desfrutava, caso não lhe trouxesse mais peixes. A opção encontrada foi a de confiscar, das jangadas que chegavam com o fruto do trabalho de três dias no mar, o suficiente para satisfazer a vontade de dona Nana, uma respeitosa senhora de 89 anos de idade.
Naquela mesma tarde, travestido de pescador, rumou para a praia e se acercou da primeira jangada ali aportada. De mansinho se misturou aos outros componentes da tripulação e deu início a separação dos peixes. Se alguém reclamasse, ele estava apenas dando uma ajudinha, já que a pesca parecia ter sido muito boa, dada à quantidade de peixe trazida. Sempre que não havia gente por perto, entre os peixes retirado da jangada um ia para a sacola que trazia a tiracolo. E assim, no final de sua pescaria, olhou para dentro da sacola e constatou quatro Guarajuba, suficiente para dois dias.
Percebendo que era fácil esse exercício, passou a fazer isso diariamente. Cada dia ele voltava com mais peixes na sacola, como nunca repetia a jangada a ser roubada, ninguém percebia que aquele homem estava fazendo isso, os curiosos pensava tratar-se de um tripulante daquela jangada. Os pescadores, que ele fazia parte daquela tripulação. Muitas vezes um ou outro pescador, sem trabalho, era convidado para ir ao mar, no lugar de um faltante.
Ambrósio vendia o que não podia guardar em casa, por falta de local para o armazenamento adequado. Com o dinheiro que vinha arrecadando chegou o dia de comprar um freezer. A ganância era tanta, que passou a andar com duas sacolas grandes, que cabiam mais peixes. Quando uma enchia, ele pedia para o dono de um bar próximo, guardá-la, em troca o homem recebia um ou dois peixes.
Como o ganho fácil sempre alguém desconfia, naquela tarde, Ambrósio ao chegar, achou estranho, havia dois policiais a rondar as jangadas que chegavam. Cautelosamente se aproximou, observou o movimento percebendo que os dois policiais estavam vindo em sua direção. Bateu em retirada, antes procurando se desfazer das sacolas que carregava, pois sabia que fora denunciado. Na tentativa da fuga encontrou-se com o dono do bar, que o agarrou pelo braço, permitindo que os dois policiais o prendesse. Na delegacia, ao prestar depoimento o proprietário do bar disse que aquele homem o pedia para guardar uma sacola, enquanto sua outra jangada chegasse. Era o fim de mais um espertalhão.