DOIS HOMENS, UMA MULHER...

DOIS HOMENS, UMA MULHER...

PARTE II

Joaquim da Serraria tem intensificado a procura de trabalho e já o garantiu para um ano, ao tomar conta do restauro completo do Solar da Ribeira, pertença dos Teles Castro de Azambuja.

Com o objectivo de estimular o Benjamim, o patrão teve uma conversa com ele e deu-lhe uma quota de 25% na empresa, sem entrada de capital e a incidir na distribuição trimestral de lucros. Nada podia ser melhor. Decorria de vento em popa a vida e com a entrada acrescida de mais valias, irá abreviar o pagamento da máquina de costura e da TV ao Sebastião e honrar o crédito de confiança nele depositado. O fluxo de dinheiro aumenta e a qualidade de vida é notória quer na aquisição de bens, nomeadamente móveis, no vestir e até programa restaurar a casa onde vive e num futuro comprá-la à D. Amélia Veiga Brito, da casa da Torre, uma ilustre e bondosa senhora, proprietária de vastas quintas.

Os gémeos irão fazer três anos dentro de três meses, o mais novo, o Ricardo Filipe já se aproxima dos dois anos e Laurentina acha-se novamente grávida, só que ainda não deu parte a Benjamim. Aquela noite da oferta da máquina de costura e os diversos “rituais” de surpresas, seguidos de intensos deleites carnais, talvez sejam os responsáveis… De surpresa em surpresa, esta parece ser a que aos dois mais diga respeito. Laurentina parece-se constrangida por nova gravidez, esta, não programada e teme anunciar a Benjamim porque acha que ele não a irá aceitar. Em face da conjecturada resposta do marido, recorre a Glórinha e revela-lhe toda a sua preocupação, que a sua mestra de costura desmonta, animando-a a que revelasse a gravidez, porque, no dizer dela, tinha a certeza que Benjamim não iria questionar. Dizia que lhe conhecia o perfil de homem e em vez de uma má notícia, ela iria dar-lhe uma notícia muito agradável.

Posto que animada por Glórinha, Laurentina à chegada do marido a casa, depois de um exausto dia de trabalho, puxou conversa, dizendo-lhe que se achava novamente grávida. Que à ausência dos dois últimos períodos menstruais, hoje havia sentido enjoos continuados e que sente os seios a ficarem duros. Benjamim, sem emitir qualquer palavra, esboçou sorriso e abraçou-a contra o peito demoradamente e pronunciou em voz baixa: é fruto do nosso muito amor.

Ao ouvir estas palavras, Laurentina sentiu-se aliviada e beijou nos lábios o marido pelo contentamento da resposta soletrada ao ouvido. Nesta casa, cada filho nascido é um suporte emocional aos imponderáveis porque catapulta vontades, consolida o amor, promove a estabilidade e dá realização pessoal.

Agora, com melhores condições de vida, acertaram entre eles irem a uma consulta de obstetrícia, sendo que esta é a primeira vez que o fazem. A Dr.ª Felicidade Alves, com consultório instalado há vários anos na terra, nunca havia visto nem de perto nem de longe, este jovem casal. Ouviu-os atentamente, tendo-lhes prescrito diversas análises ao sangue e urina de ambos. Antes fez auscultação ultra-sónica à barriga da jovem e o bater do coração do feto fez nos jovens pais emitir um sorriso de alegria e espanto. Nunca antes haviam pensado que a ciência médica estivesse tão sofisticada. A Dr.ª Felicidade, percebeu que era novidade e para lhes aumentar ainda mais o espanto disse-lhes que daí a dois meses eles poderiam ver o filho através da ecografia e mais espanto lhes causou quando lhes disse que nesse mesmo dia iriam saber se era menino ou menina. Com esta indicação da Dr.ª o espanto ainda foi maior tendo-se notado nos semblantes que entre eles trocaram e na expressão mímica de olhos e particularmente da boca.

Já fora do consultório, trocaram mimos e falaram entusiasticamente da consulta e das informações prestadas pela Dr.ª Felicidade.

- Já viste Benjamim, o que a Dr.ª nos disse! Como é possível sabermos se é menino ou menina!

- Também não sabia que isso era possível e fiquei surpreendido! Parece um sonho, não parece?

- O bater do coração do nosso filho! Se quando estive grávida dos gémeos, nós tivéssemos posses para pagar uma consulta, teríamos ficado logo a saber… Assim tivemos de esperar que nascessem.

- Neste andar, qualquer dia saberemos qual a cor dos olhos e quem sabe até a escolher…

- Não digo que não…

Dois meses depois voltaram à consulta e em face da interpretação das análises e da ecografia feita na hora, a Dr.ª Felicidade declarou que estava a correr tudo bem e que o novo bebé era uma menina. Com esta notícia, o casal rejubilou de contentamento e disseram: já tínhamos dois meninos e uma menina e agora mais uma menina… vem mesmo a calhar…. Então os meus parabéns, respondeu a médica.

A pequena empresa de Joaquim da Serraria, em face do crescendo de trabalho, recrutou mais um trabalhador e a escolha recaiu sobre o Manuel Flávio, um possante e destemido homem que faz parte do corpo activo da corporação dos bombeiros da Azinhaga dos Feios de Baixo. Aos 27 anos tem uma boa folha de serviços e uma condecoração por ter salvo um cão que havia caído a um poço com 14 metros de profundidade num dia de folga que destinara à caça de perdizes. O latir do cão fê-lo aproximar-se do local e recorrendo a meios expeditos salvou o canino da morte certa que o cansaço lhe traria. Deste bombeiro também se conta uma peripécia engraçada e que lhe haveria de ficar para sempre associado pelo alcunha com que, entre amigos se tornaria conhecido.

Num dia, algures num passado não distante, Manuel Flávio ter-se-á esbarrado de mota, contra uma vaca que estaria a atravessar a estrada para se encaminhar para outras pastagens, tendo-a tombado e lhe abreviado a ida para o matadouro, com fractura de costelas e contusões múltiplas, apenas se salvando intactos os cornos. Ter-se-á acabado nesta altura o nome de baptismo do Manuel Flávio e dado lugar ao de Nelinho Tomba Vacas, de que se ria e de que até muitas das vezes gostava de lembrar o acidente, semeando a galhofa geral.

O Nelinho, pouco ou nada sabia de carpinteiro, mas contribuía com a sua possante energia para elevar pesadas vigas de carvalho ou castanheiro, para a reconstrução dos telhados das obras em curso. O pé-direito destas construções antigas é muito alto e o trabalho braçal de Nelinho era preciosíssimo.

Joaquim da Serraria mostrava-se agradado com o recrutamento deste trabalhador e no final de um mês de trabalho resolveu melhorar-lhe o salário, seguindo a filosofia de tal trabalhito tal dinheirito. A equipa de trabalho mostrava-se coesa e laboriosa e Joaquim da Serraria, entusiasmado comprou uma carrinha de trabalho para se fazerem transportar e delegou no Nelinho a responsabilidade pela condução da mesma, em função da sua experiência na condução de viaturas dos bombeiros. A aquisição da carrinha foi uma oportunidade para fazer crescer ainda mais a empresa e permitir a adjudicação de trabalhos a distâncias antes impossíveis.

Benjamim Carapuça anda entusiasmado com o crescimento da empresa e agora ainda mais, desde que o patrão lhe deu sociedade na distribuição de lucros. Vai iniciar obras de melhoria na casa que habita e mostra-se definitivamente interessado em adquiri-la à D. Amélia Veiga Brito, com quem teve na pretérita semana uma conversa superficial sobre a casa e sua aquisição. Dela recebeu indicações positivas de que o negócio é concretizável e que o leva a pensar obstinadamente nesse desiderato, do qual daria conhecimento ao patrão, o qual o incentivaria à compra tendo-lhe oferecido seus préstimos. Laurentina ficou radiante com o teor da conversa havida entre o marido e a D. Amélia e quer acreditar que o novo bebé já nascerá na sua própria casa.

As obras de melhoria da casa iniciar-se-iam na semana a seguir à conversa com a senhoria e iria fazê-lo com moderação para não valorizar o prédio. Constariam essencialmente de pinturas e vidraças novas.

A gravidez de Laurentina decorre com normalidade, o que cimenta ainda mais a felicidade do jovem casal.

Quando em vez, os pais de um e de outro juntam-se e fazem churrascos debaixo de um carvalho centenário, assumindo essa tarefa Cristino Padeiro, já habituado há duas dezenas de anos a trabalhar junto do forno a lenha, da padaria do Teófilo Pão Quente. Diga-se em abono da verdade que churrasco saído da mão dele tem foros de divinal, porque lhe sabe dar a condimentação certa e adequada, não pecando por defeito ou excesso. A nora gostava e fazia questão que fosse Cristino a cozinhar, porque dizia que lhe queria aprender o jeito e a arte. Publicamente fazia publicidade e elogios à sua arte e antes de iniciarem o almoço, gostava de brindar à sua saúde. Laurentina e Cristino cultivavam empatia e ela muitas das vezes até lhe chamava pai. Quando estas reuniões familiares e gastronómicas aconteciam, porque o seu pai estivesse presente, ao sogro chamava-lhe pai Cristino. Este olhava-a com carinho de pai e chegava a fazer conjectura com a mulher sobre a sorte que o filho teve ao casar com Laurentina. Dizia-lhe: além de boa mãe e esposa, ela ainda deve satisfazer nosso filho, como poucas…A insinuação não caiu bem em Adelaide Saia Branca e observou-o nos apartes formulados e disse-lhe que não deveria falar assim da nora e acrescentava: cheira a perversão e incesto. Cristino desculpou-se e disse que não o fez por mal e que não queria chegar a tanto. A repreensão da mulher irá levá-lo a que nunca mais faça observações como as que fez e guardará futuramente para si, tudo o que pensa acerca da nora.

Laurentina estimulava a boa relação com os sogros e nunca achou que o não devesse fazer. Por amor ao marido e porque sabia que este ficaria mais feliz, Laurentina privilegiava estas relações, sendo que não tanto com a sogra pelas inerentes dificuldades que estas relações, nora/sogra, em si transportam, quiçá pelo ciúme disputado pelo mesmo homem e que tem contornos de ancestralidade.

As festas familiares iniciam uma nova fase, graças à melhoria das condições financeiras e quase acontecem semanalmente, com excepções dos impedimentos pontuais. Todos e muito especialmente os netinhos, gostavam destes eventos, quanto mais não fosse por andarem de colo em colo. Aos adultos movia-os umas boas almoçaradas e uns copos de bom vinho, que Cristino comprava e oferecia, tendo o cuidado de adquirir alguns com prestígio no mercado vinícola. Os pais de Laurentina criavam frangos e traziam para o churrasco. O resto das carnes comprava Laurentina e Benjamim quando iam ao supermercado. Este ritual irá ter repetidos encontros, variando as ementas para quebrar a rotina. O bacalhau assado no carvão acontecia uma vez por mês.

Houve um fim-de-semana que resolveram ir à praia para quebrar a rotina das almoçaradas e Benjamim fez questão que fossem todos, pais e sogros, tendo pago o almoço efectuado no Restaurante Maresia. Retiraram do cardápio os grelhados e almoçaram arroz de marisco.

Chegaram á praia cerca das 10,30 horas tendo ido à água o Benjamim, mulher, Cristino e os dois gémeos. Os restantes ficaram na barraca, com o Ricardo Filipe, resguardados do sol escaldante, que duas horas depois quase daria para fritar.

Cristino, quando em vez e sem que ninguém se apercebesse olhava a nora e construía mentalmente cenários voluptuosos que as palavras lembradas e censuradoras de Adelaide o reprimiam, fazendo-o ter sentimentos de culpabilidade. Dizia a si mesmo: meu filho não merece estes juízos, sou um burro, um asqueroso, um depravado, mas os meus olhos e natureza...não fosse ela minha nora, e…

Cristino, com a mulher em fase transitória na sua sexualidade e crescente desinteresse pela mesma, trá-lo um tanto constrangido, amordaçado e porque não dizê-lo nervoso, deprimido. A actividade sexual fazia-o feliz e reequilibrava-o emocionalmente dos pequenos contratempos que o dia-a-dia lhe proporcionava. Neste momento está na pior fase de toda a sua vida matrimonial, que procura esconder dos outros e de si próprio. Questiona-se se vale a pena dar continuidade ao casamento, se deve contemporizar com a realidade da vida afectiva que está a viver e questiona-se também sobre o modo como deve ultrapassar, para manter vivo, socialmente vivo o casamento. Decorrente destes cenários para si deprimentes, ocorrer-lhe-iam mirabolantes e depravados pensamentos nunca antes surgidos. O deficit de satisfação sexual está na génese deste conflito interno de que Adelaide ainda não se apercebeu. É de crer que se ela tivesse tomado sensitivamente conhecimento, tê-lo-ia ajudado, mas Cristino tudo fazia para que do seu estado de espírito nada fosse público e notório. Vivia enclausurado em si mesmo e recalcava estados de espírito que ele próprio veementemente vituperava. Acredita e para isso vai ser mentalmente forte, que apagando dos sentidos os pensamentos diabólicos de desejo pela nora, a paz interior regressará nos mesmos termos em que o havia abandonado, acerca de dois meses. Naturalmente que já virá de longe o apreço pela nora, não terá nascido agora, só que as condições actuais fizeram emergi-lo. Aliás, num passado não distante fez uma apreciação acerca da nora que a mulher censurou e que terá sido o primeiro registo emitido acerca das suas qualidades físicas.

As reuniões familiares em volta da mesa vão continuar nos mesmos moldes e Laurentina manterá toda a sua boa disposição e disponibilidade de atenção para com o sogro, o qual se resguardará dos impulsos à custa de vontade emitida mais pelo bom-senso que pelo coração. Definitivamente Cristino olha para a nora como filha e afasta do seu pensamento os últimos resquícios de desejo carnal. Doravante, a sua satisfação é de que o filho se realize na plenitude, com a mulher que o havia perturbado preteritamente. Cristino pôs ponto final neste assunto à custa de auto controle sensitivo. É visível, para quem tenha acuidade sensorial e emocional que Cristino não se sente realizado. A mulher não o satisfaz, a nora é proibitivo… Cristino, constrangido com estas questões e cioso, orienta olhares para tudo o que é mulher e qualquer aceno de simpatia de alguma, fá-lo sentir-se “apetecido”. Estes acontecimentos, que para muitos homens nada representa, em Cristino acendem-lhe a chama da auto-estima.

Encontrou assim uma maneira de desviar as atenções da nora, centrando-as em amigas ou simplesmente mulheres que anonimamente irradiam simpatia. Auto enganando-se, é isso que ele julga, poderá definitivamente respeitar a nora, o filho e a mulher. Vai doravante gerir um conflito emocional do qual não sabe como sair. Acredita que a mulher ainda poderá ser a melhor solução, mas o facto dela ter passado a conduzir a sua sexualidade com alguma revolta por ter entrado no período de menopausa, dificulta-lhe a estabilidade, aliada a uma má condução de diálogo matrimonial. Neste quadro, Cristino irá sentir sérias dificuldades em lidar com o seu ego e tornar-se-á por certo um homem irascível. Na sequência, passará a isolar-se e por não ser um homem com uma estrutura afectiva fora da família, ainda maior será a dificuldade. Programa caminhadas e sozinho percorre uns quilómetros, cerca de dez, debaixo de um aperto interior que lhe chega a bloquear a respiração. Nestas alturas, pára para repor a respiração nos batimentos cardíacos normais e reflecte sobre o seu futuro. Escusado será dizer que as soluções encontradas esbarram em vias de sentido proibido. Adelaide, já se apercebeu que algo deverá estar a acontecer com o marido, porque o acha menos falador, com menor apetite e até mais magro. Falou-lhe disso, tendo ele disfarçado que está mais magro por andar a fazer desporto de manutenção. E o apetite e menos falador de que é, perguntou-lhe:

- Deve ser fase…

- Será. Eu também tenho andado um bocado esquisita, tu sabes. Esta maldita menopausa deixa-me deprimida, ansiosa, sem apetite e estes afrontamentos…, além de que perdi todo o prazer em fazer sexo contigo, pelo desconforto que sinto.

- Sei. Como vês, ainda estás pior do que eu…

Foi deste modo que Cristino se justificou, encobrindo o seu próprio mal-estar à mulher.

Quem não está com mal-estar, é o jovem casal. A maternidade aproxima-se e dentro de pouco mais de mês e meio, serão novamente pais. No trabalho também está tudo bem e até o Nelinho Tomba Vacas se tem adaptado bem às tarefas de carpintaria, aliada à condução da nova carrinha, o qual, sempre que passava por pessoas conhecidas gostava de buzinar, mais do que para os cumprimentar era para que fosse visto. O trabalho parece inesgotável e Benjamim nem tempo consegue para fazer o restauro na casa, que não seja ao Sábado. Vai falar ao Nelinho para lhe dar uma ajuda, o qual se mostrará disponível. Deste modo já no próximo sábado as obras avançarão. Nelinho já não via Laurentina há muito tempo nem nunca teve confiança com ela, por ser mais nova quase dez anos. Lembra-se dela em garota de escola e pouco mais. Quando a viu fez seu juízo e deu os parabéns ao Benjamim por voltar a ser pai. As obras agora irão avançar mais rapidamente e com mais três sábados ficarão prontas, ainda a ponto do bebé já nascer em casa de paredes “lavadas”. Nelinho ficou muito bem impressionado com a desenvoltura de Laurentina, que mesmo de barriga bem grande se mexia com muito à vontade. Também se impressionou com o seu bom aspecto físico. Nelinho é um solteirão que não vê nas mulheres grande motivo de desejo, trocando-as por umas comezainas e uns copos de vinho.

Numa daquelas caminhadas habituais, Cristino foi interpelado por Nelinho que passava de carrinha e lhe perguntou se queria ir com ele buscar materiais para a obra onde anda a trabalhar o filho e que não demoraria mais de meia-hora. Cristino aceitou, até porque também gostava de saber algo sobre o restauro daquelas bonitas casas de que lhe falava o filho e que ele conhece, mas já não vê há muito tempo. Pelo caminho, Nelinho falou-lhe que tem andado a ajudar a pintar a casa de Benjamim, que Cristino iria voltar a ser avô, que não via a nora há vários anos e que ela está mais bonita agora, do que em solteira. Cristino não contava com esta última apreciação e pareceu ficar ligeiramente nervoso tendo querido desviar a conversa para as obras. Perguntou-lhe se havia muito trabalho e se estava satisfeito com o patrão, tendo Nelinho respondido que o Joaquim da Serraria é um patrão do melhor, tendo-o aumentado no final do primeiro mês e que tanto ele como o filho gostavam muito dele. Bom, entretanto a viagem acabou, despediram-se com um aperto de mão.

Cristino ficou a matutar nas palavras dele quando se referiu à nora, especialmente quando disse que ela agora está mais bonita do que em solteira, e que irreflectidamente o levaria a mordiscar o lábio inferior, num claro sinal de desejo carnal do qual nunca se verá livre.

Concluídas as pequenas obras da casa do jovem casal, há que dar início aos preparativos para o nascimento. Sabendo-se antecipadamente que vai ser uma menina, conforme o resultado da ecografia feita pela Dr.ª Filomena, os futuros pais que ainda nem o nome escolheram para a bebé, querem delegar nos futuros padrinhos que ainda não estão escolhidos, essa responsabilidade. Contudo, há alguns pormenores que, a duas semanas do provável nascimento ainda vão ser tomadas. Estão neste caso uma consulta de obstetrícia, como seguramente das mais importantes medidas a ter previamente. Marcada a consulta, a Dr.ª Filomena fez os exames habituais para esta ocasião da gravidez e depois falaram longa e objectivamente do parto em si. Falou-lhes da possibilidade de um parto sem dor, desde que suportem os custos da intervenção. Quiseram saber pormenores para aquilatar das possibilidades financeiras e ficaram de dar uma resposta muito brevemente, porque não queriam estar a comprometerem-se e também porque queriam estar a sós para decidirem em consciência. A Dr. ª Filomena deixou-os à vontade depois de um bom esclarecimento.

Regressados da consulta, falaram do preço e não sendo barato, Benjamim quer dar à mulher essa possibilidade nunca antes experimentada. Laurentina, acha que a dor não sendo agradável é passageira e que poderiam ficar com o dinheiro no bolso para outras coisas mais importantes, tal como o baptizado e roupinhas para a bebé. Em face da divergência de princípios entre os dois, acabou por prevalecer o espírito economicista de Laurentina, que o marido acabaria por acatar, por se ver envolvido com despesas ainda em curso, tais como a TV, a máquina de costura e recentemente as pequenas obras de remodelação da casa. Não fora isso, e Benjamim não exitaria em dar à mulher o que ainda nenhuma outra na sua terra, o havia experimentado. Deram à doutora indicação da opção tomada e o parto irá seguir o processo natural, à semelhança dos anteriores.

Laurentina, a duas semanas do parto transporta consigo os sintomas de fim de gestação, nomeadamente pés inchados, cansaço geral e barriga descida. Benjamim sente algum ligeiro nervosismo e muita ansiedade a cada dia que passa. A mulher tranquiliza-o, dizendo-lhe que não deve mostrar preocupação de qualquer espécie porque tudo irá decorrer com a normalidade habitual para estes casos e até pelo facto de não lhe passar esse estado de espírito. No marido, há como que uma espécie de meia-culpa se as coisas não decorrerem bem, porque havia manifestado o desejo de que o parto fosse assistido e sem dor. Agora que são um casal mais esclarecido, redobraram-se as preocupações, o que leva a crer, na “virtude” da ignorância nem tudo estará mal, pelo menos nesta área a inquietação não existiria, à semelhança das anteriores gravidezes.

A insistente mensagem de serenidade de Laurentina para com o marido, fá-lo regredir nas preocupações e o trabalho será levado com inusitado contentamento, sendo “apanhado” a assobiar enquanto trabalha, dando azo a que Nelinho Tomba Vacas lhe dissesse jocosamente se ia para alguma festa. Benjamim não terá percebido inicialmente e sem que nada retorquisse, percebeu que era de tanto assobiar.

Crescem os sintomas pré-parto e agora a uma semana do fim de gestação, tudo pode acontecer, mesmo uma antecipação à data previamente definida para o nascimento da pequena Ana Isabel, cujo nome foi encontrado na última noite após “discussão” entre os futuros pais, tendo-se chegado a esse consenso depois de excluídos os nomes de Ana Rita, Ana Luísa, Ana Margarida, Ana Maria e Ana Rosa. Dos nomes aventados a primeira e única certeza comum aos dois, era de que o primeiro nome seria Ana, tendo o sobrenome merecido algum debate. Após o consenso, Benjamim beijou a barriga à mulher e disse: Olá Ana Isabel, é teu pai que te fala. Um dia destes vamo-nos olhar olhos nos olhos…Seguidamente o casal beijou-se, deitaram-se e adormeceram tranquilamente.

Na manhã do dia seguinte novo dia e à semelhança dos outros, tudo leva a crer será mais um sem que nada de novo aconteça. Mas os imponderáveis espreitam a cada momento e cerca das onze horas da manhã, depois de um ligeiro esforço ao pegar ao colo num dos gémeos, Laurentina sente as águas rebentarem-se e providenciou num vizinho que a levasse à maternidade porque inevitavelmente teria de dar à luz. Não teve tempo de avisar o marido e pediu apenas que avisassem a mãe para ir tomar conta dos meninos e dar algum jeito na casa. Só duas horas depois, Benjamim teria tomado conhecimento da entrada da mulher na maternidade, já a pequena Ana Isabel era nascida de um parto normal, rápido, quiçá o melhor dos três.

Benjamim ficou algo tenso por não estar a contar tão cedo com o nascimento mas ao mesmo tempo eufórico por saber que tudo havia decorrido muito bem. Solicitou ao Nelinho Tomba Vacas que o levasse na hora de almoço à maternidade porque queria matar a ansiedade e satisfazer a curiosidade em conhecer a filhota. O local de trabalho distava cerca de 20 km e Nelinho mostrou toda a disponibilidade, mas disse-lhe que não queria perder o trabalho da tarde, de modo que recomendou a Benjamim que se apressasse. Joaquim da Serraria já lhes havia dito que sempre que fosse necessário, poderiam utilizar a carrinha para tratar de assuntos particulares, desde que urgentes.

Benjamim banhou-se e mudou de roupa apressadamente para não perderem tempo e seguiram em velocidade acima da recomendada e ao descreverem uma curva à direita, saíram fora de mão embatendo violentamente contra um muro. Foram accionados os primeiros socorros e constatou-se haverem dois feridos, sendo que Benjamim apresentava um quadro generalizado de fracturas com suspeita de fractura de coluna. Os socorristas imobilizaram-no, temendo o pior e levaram-no para o Hospital Regional mais próximo, que por sua vez o encaminhou para o Hospital Central, por se ter confirmado a lesão da coluna.

Nelinho Tomba Vacas teve traumatismos vários, que após suturação com diversos pontos na cabeça, regressaria a casa ao fim de 4 horas depois de ter passado o estado de choque.