A Saga de Godofredo XXIII – O Impasse

10.05.22

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Godofredo e Xenofonte chegaram ao castelo cruzado no início da madrugada. Janet e Aníbal, o pai primordial de Godofredo, aguardavam no amplo salão da fortaleza. Estavam ansiosos para o reencontro e para saber como realizou a façanha de trazer Saladino preso com todo o seu estado maior.

Ao entrar no recinto, Aníbal correu para abraçar seu filho.

-Quanto tempo que não nos vemos meu filho! –diz abraçando-o fortemente e beijando-lhe uma das faces do rosto. Lágrimas escorriam dos olhos do pai. Godofredo emocionou-se.

-Capitão Godofredo, agora uma lenda! – saudou Janet.

Abraçado ao pai, Godofredo agradeceu e foi direto ao assunto:

-Bem, depois lhes contarei em detalhes como aconteceu esse episódio. Agora, temos o assunto principal a discutir. Uma proposta de trégua entre cristãos e muçulmanos – disse-lhes.

-Vamos então ao que tem em mente – respondeu Janet.

-Em primeiro lugar, contar-lhes que me casei com a filha de Saladino, a princesa Mira, que segue para a Sicília. Apaixonei-me por ela e é também um dos motivos para a efetivação do acordo que proponho. Com Saladino e o seu estado maior prisioneiros, temos toda a condição de efetivá-lo, pois não tem alternativa. Assim, penso em transformar Malta em zona neutra tornando-a em um grande entreposto comercial e cultural. A governaria junto com Mira. Manteríamos o controle cristão da ilha, mas não atacaríamos mais os mouros e vice versa. Mira e nossos filhos, netos de Saladino, seriam o seguro deste acordo e casaríamos na religião católica, selando efetivamente a minha proposta de acordo.

Então, entrou na sala um militar esbaforido dirigindo-se à Janet:

-Comandante, acabamos de receber a mensagem de que foram resgatados sobreviventes do naufrágio do nosso navio a caminho da Sicília. A princesa Mira, parte da tripulação, Nabi, Halim e Abbud estão vivos. Dos prisioneiros, somente cinco sobreviveram. Já estão todos em Siracusa.

-Graças a Deus! – respondeu Janet ao estafeta.

O silêncio permaneceu na sala. Godofredo, cansado e de olhos fechados, largou seu corpo em uma poltrona como que aliviado pela notícia, que já sabia, pois antes Nabi o avisara mentalmente.

Janet avaliava a proposta de Godofredo cofiando sua barba negra e hirsuta. Aníbal calado também aguardava.

-A proposta é astuta e inteligente, mas terei que consultar o nosso chefe supremo, o Rei Ricardo Coração de Leão. Não tenho alçada para tanto, mas estamos com sorte, ele está em Siracusa. Vou enviar agora mensagem sobre o que propõe enquanto seguimos para lá. Zarparemos amanhã. Xenofonte, avise o almirante Ruan para preparar a nossa nau mais rápida com sua escolta, imediatamente! – ordenou Janet.

-Vamos meu filho, vamos descansar, pois teve um dia pesado – disse-lhe seu pai levando-o para os seus aposentos.

Saladino e Abbdul em celas separadas recuperavam-se do torpor sonolento em que estavam. Começaram a conversar:

- Irmão Saladino tenho a lhe dizer fato importante– falou Abbdul.

-Diga! –respondeu o sultão.

-Como desconfiava do seu genro, deixei Schain embarcar escondido em meu navio, para caso viesse a acontecer algo, pudesse nos socorrer com nossas tropas. Ele deve estar a caminho.

-Isso não é bom Abbdul! Podemos ser executados! Temos que avisar os cruzados dessa situação, e Schain para que não ataque! – concluiu o sultão chamando um oficial cruzado para passar a informação ao comandante Janet.

Schain zarpou no início da manhã em que percebeu que a nau capitânia de Saladino havia fugido de Lampedusa. Conclamou todos os subcomandantes das divisões que o seguissem para libertar Saladino e os demais prisioneiros dos cruzados. A frota sarracena estava a caminho de Malta. Schain, sedento de vingança, não conseguia esconder sua ansiedade e raiva. Chegaria a Malta no final da noite, início da madrugada do dia seguinte.

Janet, ainda no grande salão, recebeu a notícia de Saladino sobre Schain a caminho com a esquadra moura. Ao mesmo tempo, entrou o almirante Ruan informando que a frota sarracena estava se posicionando para o ataque a La Valetta. Janet chamou Godofredo e Aníbal para discutirem a inesperada novidade.

-Então, o que faremos agora? – perguntou Janet a Godofredo depois de relatar o fato informado por Saladino.

Godofredo compenetrado e sisudo, depois de avaliar a situação disse:

-Vamos trazer Saladino e Abbdul para cá e informar Schain para que não nos ataque, pois se o fizer, todos os comandantes serão decapitados, inclusive seu pai. Mandaremos a nossa frota ancorada ao largo do porto aproximar-se no início da manhã, mostrando que estão cercados. E com nosso porto protegido, verá que poderá ser aniquilado e perder o pai, Saladino e todo o seu estado maior. É o que penso.

-Concordo! - disse Janet com Aníbal assentindo com a cabeça.

Schain estava quase à entrada do porto de La Valetta. A frota árabe ancorou distante cerca de meia milha náutica. Viu os navios cristãos alinhados lado a lado em toda a extensão da entrada da baia da capital maltesa. Chamou o seu ajudante de ordens para que levasse a seguinte mensagem ao comandante Janet : libertar todos os prisioneiros até o final dia do dia de hoje. Se não, a capital será atacada impiedosamente!

Amanheceu um lindo dia de sol com céu azul e límpido. Saladino e Abbdul já estavam no salão do castelo. Godofredo, Janet e Aníbal os informaram do que ocorreria caso Schain atacasse. Saladino estava pensativo e mudo assim como Abbdul, avaliando a situação. Janet foi incisivo ao dizer-lhes:

-Grande sultão, não está em condições de exigir ou propor nada! É nosso prisioneiro e terá que concordar com o que lhe propusermos! Caso contrário, será decapitado em praça pública junto com seus comandantes! Sua esquadra está cercada na entrada do porto, podendo ser aniquilada. Nada pode fazer!

-Qual é então a proposta que tenho que aceitar? – respondeu calmamente Saladino.

Godofredo então explicou a proposta de acordo, sem mencionar que dependia da aprovação do rei Ricardo Coração de Leão, pois com a concordância do sultão, ficaria mais fácil do rei aceitá-la. Saladino ouviu sério e compenetrado a fala de Godofredo. Sabia que não teria alternativa a não ser aceitar o acordo. Seria a forma de sair desta delicada situação em que estava, pois o seu povo não o perdoaria por ter sido capturado e executado por seus maiores inimigos. O chefe sarraceno demorou alguns minutos, mas disse:

-Comandante Janet, tem o senhor o poder de efetivar este acordo? Não teria que ser através do seu chefe supremo, o rei Ricardo, pois sou o chefe maior do meu povo? Aceitarei se for feito com o seu rei. Se não, não mandarei Schain suspender o ataque e podem me decapitar agora!

O silêncio pairou por minutos no salão deixando o ar pesado e tenso, pois não esperavam que Saladino colocasse sua vida em risco. Estavam em um dilema. Janet olhou para Godofredo indicando que fossem conversar em uma sala ao lado. Saladino sorria triunfante, vendo que sua posição firme os deixou sem ação.

-Temos que ter a posição do rei! Não posso assumir que ele aceitará! – fala Janet.

-Saladino está querendo ganhar tempo, pois sabe que não tem alternativa e que não podemos matá-lo. Vou enviar agora uma carta ao rei Ricardo pontuando todos os fatos e sei que ele concordará, tenho certeza! Enquanto aguardamos sua resposta, vamos propor uma trégua de dois dias a começar no final do dia de hoje. Tempo suficiente, não acham? - disse Godofredo.

Janet e seu pai concordaram. Voltaram ao salão e comunicaram a Saladino o que decidiram. Este ouviu e depois de confabular com Abbdul, falou:

-Estamos de acordo, mas caso seu rei negue, quero voltar para meus soldados e lutar com eles, mesmo sabendo que estamos cercados. Prefiro morrer lutando de forma nobre e digna como o chefe supremo do meu povo.

Nota do Autor

É obra de ficção e qualquer semelhança e mera coincidência.

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 10/05/2022
Código do texto: T7513425
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