Nos calcanhares de Aquiles
Manhã de domingo. Era a primeira vez em 35 ou 40 dias que aquele carro placa 1309 e que parava a menos de seis metros da lixeira, aparecia nesse dia da semana. Praticamente dia sim, dia não, ali estacionava sem que fosse possível identificar o condutor.
O que chamou a atenção de Aquiles foi a placa. Uma obsessão por números. Primeira dezena, 13. E, 1+3+0+9 = 13. E mal dava tempo de chegar ao 3° andar e olhar pela janela para constatar que o veículo havia partido. E sem saber, levando seu lixo que ele havia deixado na lixeira. Entretanto nesse dia foi diferente. Aquiles se desfez do lixo, subiu, encheu novamente a xícara de café e espiou. O 1309 no mesmo lugar.
Batidas na porta e pelo olho mágico Aquiles viu que se tratava de uma bela mulher com os óculos escuros suspensos da cabeça. Equivoco? Informação? Abriu, ainda portando a xícara na mão.
- Pois não?
- Seu nome é Aquiles e o meu Natália. Sou policial civil e minha investigação é particular, familiar, para ser franca. Minha mãe, viúva, entrou em um site de relacionamento e por motivos que você deve conhecer, se obrigou a ‘emprestar’ para seu ‘namorado’, 10 mil reais. Mas o conheceu somente por fotos. Num sábado, fazendo compras no shopping (***) ela o viu e teve certeza que você era ‘ele’. Foi aí que tomei conhecimento da história e, por dever de ofício, o investigar. Estou literalmente nos seus calcanhares e sei quase tudo a seu respeito ao revirar seu lixo. Não encontrei nada que o incriminasse. Não tenho ordem judicial para essa visita. No entanto, duas coisas me atiçam a curiosidade e me trouxeram aqui. 1ª - gostaria de dar uma olhada em seu computador. Tens todo o direito de recusar; 2ª - quem é você e o que faz que praticamente não sai do apartamento?
- Natália, sete letras; Aquiles, sete letras; direito, sete letras; recusar, sete letras... Tudo bem. Vamos inverter a ordem das respostas. Trabalho com ações na Bolsa de Valores. Em casa. A outra resposta: pode bisbilhotar o computador à vontade. Entre. Ainda deve ter um pouco de café na térmica, aceita? Enquanto isso vou preparando minha lasanha.
- Café vai bem. Encontrei alguns sonetos no seu lixo e, estranho, todos escritos à mão com caneta preta e, segundo um amigo literato, pobres em títulos e rimas, sem métrica, nenhum em decassílabas... Sei lá o que é isso...
- Sonetos ruins? Enfim alguém os leu e não gostou. Chega de sonetos então. E com licença, Natália, a cozinha me chama. Gosta de lasanha? Lasanha tem sete letras; sonetos, sete letras; cozinha, sete letras; convite, sete letras; domingo sete letras...! Ah, lixeira também.