A Saga de Godofredo XXII - O Naufrágio

03.05.22

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Desembarcaram junto ao forte Delimara. Saladino e Abbdul foram encarcerados separadamente. Godofredo encontrou-se com o ajudante de ordens do comandante Janet, que o aguardava para irem a La Valetta. Xenofonte disse-lhe:

-Parabéns pelo grande feito histórico de prender e trazer vivo Saladino e todo o seu estado maior. Fato notável, capitão Godofredo. Toda comunidade cruzada lhe dá louvas pela façanha. Comandante Janet aguarda-lhe ansioso.

-Grato Capitão Xenofonte, vamos imediatamente até ele!

Montaram em seus cavalos e partiram a galope para a fortaleza cristã na capital maltesa. O percurso era longo e chegariam ao anoitecer.

A nau cruzada seguia em direção à Siracusa. O silêncio imperava. Ouvia-se somente o bater cadenciado das águas do oceano no casco do navio. Deveriam aportar em Siracusa na manhã seguinte. Halim monitorava os prisioneiros; Abbud conduzia o navio em mar tranquilo e Nabi mantinha Mira em observação para lhe dar nova dose de sonífero. Ela dormia com um leve sorriso nos lábios.

A tarde virou noite rapidamente. Uma tempestade formava-se, viam-se os clarões dos raios no horizonte e o ribombar dos trovões. O vento sibilava nas amarras das velas. O mar encapelava-se produzindo ondas grandes, quase vagalhões. Seria forte a borrasca. Abbud viu que não poderia desviar da rota, seria obrigado a enfrentá-la. O navio balançava vigorosamente no sobe e desce das ondas. Halim subiu à ponte preocupado. Falou a Abbud ao leme:

-Teremos que passar por ela. A tripulação está a postos, mas preocupam-me os prisioneiros e Mira. Estamos distantes da Sicília, temos mais a noite toda velejando até chegarmos a Siracusa. Deixe os escaleres prontos, caso naufraguemos, pois o casco está começando a estalar. O navio é antigo. Vamos ter que acordar os prisioneiros e deixá-los prontos para abandonar o barco.

A tempestade abateu a embarcação fortemente, jogando-a violentamente para os lados. Abbud tentava manter o curso, mas estava difícil pelos enormes vagalhões que colidiam com a proa do barco, inundando-o. A tripulação caçava a vela mestra. A bujarrona foi recolhida. O casco rangia como um choro. O velho navio sofria.

Os prisioneiros eram lançados, a cada onda, uns contra os outros no compartimento de carga. Halim desceu até lá e os desamarrou. Estavam ainda dopados, não entendendo o que acontecia.

Nabi estava com Mira em seus aposentos. Acordada e meio grogue era também jogada para os lados a cada impacto dos vagalhões. Nabi falou mentalmente com Godofredo:

-Estamos enfrentando uma enorme tempestade e podemos naufragar. Falta ainda muito para chegarmos à Siracusa. Estou preocupado de que possamos naufragar e perder os prisioneiros e Mira.

-Não temos o que fazer agora! Não posso enviar outra embarcação em meio a tempestade, é um risco enorme, podemos perder os dois navios. Mas confio nas habilidades de Halim e Abbud. Vou avisar Siracusa para que fiquem prontos para resgatá-los, caso naufraguem. Avise-me!

-E se Mira acordar, dou outra dose do sonífero? Melhor estar acordada para enfrentar a borrasca, não? – perguntou Nabi.

-Sim, melhor acordada. Explicarei a ela tudo o que aconteceu. Agora é passar pela ira do clima. Boa sorte, vocês irão sobreviver, Deus é grande! – completou Godofredo.

Estavam no olho da tempestade com ventos fortíssimos e raios riscando os céus violentamente. Uma visão aterrorizante.

O navio, como uma casca de noz flutuando instavelmente, era jogado ao alto a cada vagalhão. Halim e Abbud ,segurando o leme, tentavam manter o curso. Era uma luta insana.

Um raio despencou do céu atingindo o mastro principal, derrubando-o com a vela. Foi um duro golpe de azar: estavam à deriva.

-Abbud! Corte as adriças e deixe o mastro e vela ao mar! Vamos içar a bujarrona para nos colocar no vento. Assim temos alguma chance de manejo do barco. Vamos rápido!

Abbud com a tripulação cortou os cabos da vela soltando-a na água revolta do mar. O mastro fumegante arrastou-a com violência para longe do barco sendo dragados pelas enormes ondas.

Depois içaram a bujarrona com muito esforço, pois ela batia ferozmente, chicoteando o ar com um som horripilante. O barco, na montanha russa do mar, endireitou-se e Halim conseguiu colocá-lo no vento para enfrentar a tempestade. Abbud juntou-se a Halim ao leme, o vento e a chuva grossa acoitavam seus rostos, que sangravam. Lutavam determinadamente. Uma tarefa hercúlea!

O navio era castigado inapelavelmente. As emendas do seu casco rangiam, e fortes estalos eram ouvidos a cada impacto da massa líquida revolta, como que soltando dele alguma parte. A pobre nau dava os seus últimos suspiros.

Fazia água nos porões e a retirada com baldes pela tripulação e prisioneiros era inócua. O fim estava por pouco.

Halim viu que não poderiam seguir assim e gritou para Abbud:

-Desça os escaleres! Metade dos prisioneiros e tripulação em cada um! Mira irá com Nabi no primeiro bote! Rápido!

Então o golpe de misericórdia foi desferido. Outro raio atingiu impiedosamente o mastro da bujarrona arrancando-o junto com a vela, que voou loucamente pelo céu escuro da tempestade. O navio agora estava mortalmente ferido. Agonizava!

O impacto foi tão grande que Mira foi jogada contra a parede do seu quarto junto com Nabi. Ficaram tontos. A água invadia o barco na altura dos joelhos. Nabi se recobrou, mas Mira continuava inerte. Ele a pegou e a levou pelos corredores da embarcação até o convés. Viu a tremenda balburdia da tripulação e dos prisioneiros tentando lançar os dois escaleres nas águas perigosas do oceano. Halim berrou para Nabi:

-Suba no barco junto com Mira, rápido! Abbud, ajude!

Nabi e Abbud colocaram-na ainda tonta no barco salva-vidas. Nabi também subiu no bote amparando a princesa com um grosso cobertor, protegendo-a assim da forte chuva.

Tripulação e prisioneiros subiram no escaler. O barco balançava perigosamente pelo sobe e desce da nau nas ondas. Desceram a embarcação que assentou na água e começou a enfrentar as fortes ondas. Todos foram amarrados por cordas para serem resgatados, caso caíssem ao mar. Os remos foram posicionados e tripulação e os prisioneiros começaram a remar, embicando a proa contra as ondas. A situação era desesperadora. Naquele instante lutavam pela vida.

Um forte estrondou ouviu-se na nau. Sua popa começou a afundar, elevando quase a noventa graus a proa do navio. Halim, ainda no leme, pulou agilmente no mar. O outro escaler balançava suspenso na lateral do navio. A tripulação e prisioneiros restantes escorregaram pelo convés caindo no mar. Um forte redemoinho começou a se formar com o afundamento do navio, sugando tudo a sua volta.

O escaler continuava preso ao navio sendo arrastado para o fundo do mar pela nau moribunda. Halim conseguiu pegar uma das cordas que seguravam o barco. Puxou sua adaga e a cortou. Restava a outra. Ele subiu no bote e com um golpe certeiro cortou-a também. A embarcação estava livre. Ele se posicionou no leme. Abbud logo surgiu por entre as ondas e subiu também na embarcação. Aos poucos outros tripulantes surgiram e eram içados pelos dois. Nenhum dos prisioneiros apareceu.

O escaler começou a se distanciar, do local em que o velho navio afundava, com fortes remadas da tripulação e de Abbud. Halim procurou avistar o outro bote, mas a tempestade o impedia. Agora, era torcer para que ela logo se dissipasse e pudessem rumar para Siracusa. A batalha ainda não terminara.

Nota do Autor:

É obra de ficção e qualquer semelhança é mera coincidência.

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 03/05/2022
Código do texto: T7508628
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