Conto das terças-feiras – Escondendo a gravidez

Gilberto Carvalho Pereira –Carcavelos, PT, 3 de maio de 2022

Dia de festa na pequena cidade do Nordeste brasileiro. Desfile de estudantes na rua principal e do Tiro de Guerra - unidade militar sediada na vizinha cidade - com palanque armado, bandeirolas penduradas nos postes, discurso proferido pelo chefe do Poder Executivo local, algumas autoridades e convidados, crianças brincando na praça, todas de roupa nova, barraquinhas de comida, bugigangas e quinquilharias vendidas a preço de banana. Também tinha à venda, algumas peças do artesanato local, confeccionadas a partir de palha e sabugo de milho, como também de folhas de bananeira. Tudo simples, mas todos estavam alegres, era o dia maior da cidade, o aniversário de sua emancipação política, o primeiro ano.

Era uma alegria só, de viva satisfação. Apenas uma pessoa tristonha, sem alegria no coração, olhava desconfiada, pelas frestas da janela do sobrado de dona Mariquinha, responsável pelo único lupanar da cidade, que a acolhera por piedade. A tristeza de Mariazinha residia em sua expulsão da casa dos pais, semana anterior. A senhora do bordel que a recebera, não notou que a moça estava grávida, e nem ela contou, colocando-a para fazer o trabalho pesado da casa, que consistia em lavar roupa, varrer, espanar e arrumar os quartos, em número de seis, destinados aos encontros devassos.

O pai, homem rude, insensível, percebeu que a jovem, de apenas dezesseis anos de idade, estava grávida. Sem ao menos saber se era verdade, juntou as poucas coisas da menina e as jogou na rua. Apenas a experiência de vida, dez filhos com sua mulher e o medo da “língua do povo”, o fez agir assim. Nem ela sabia, na sua inocência, que estava realmente grávida, uma gestação silenciosa, segundo a medicina. Deitara-se com o primo somente duas vezes, recordava. Algumas mulheres não apresentam sintomas típicos de uma gestação até próximo a dar à luz, embora isso seja raro.

Na mesma hora do desfile a adolescente, ao som da banda marcial da escola local, começou a sentir fortes dores na região do abdômen, nas costas, quadril e coxas, que foram aumentando à medida que os minutos passavam. Uma sensação de desmaio começou a tomar conta da garota, que soltou um forte e agudo grito. A idosa senhora subiu às escadas aos saltos, quase caindo. Ao chegar no primeiro quarto percebeu o corpo estendido de Mariazinha, sobre uma poça de um líquido estranho, vindo das partes íntimas de sua empregada.

— Menina, você está grávida e está tendo um filho – gritou!

Assustada, Mariazinha tentou levantar-se mais não conseguiu e pediu socorro:

— Ajude-me senhora, eu não quero morrer!

O tempo ia passando e a dona do bordel não sabia o que fazer, era a primeira vez que isso acontecia em seu estabelecimento, casa de respeito, dizia ela. A garota enfraquecia a olhos vistos. A senhora gritou pelo Joaquim, outro seu empregado, carecedor de inteligência, ordenando:

— Vá correndo chamar o reverendo Alberto, ele está ali no palanque do desfile. Diga a ele que tem uma pessoa precisando de extrema-unção, que espera um filho e está a morrer.

Próximo ao palanque, o empregado, trocando as sentenças do recado, gritou:

— Seu pade, dona Mariquinha, do Lupanar, pede para o senhor ir lá. Ela está tendo um filho seu e tá morrendo também.

O pequeno público, espantado, olhava para aquele rapaz que, agitado e pulando, gritava cada vez mais alto. O prefeito, sentindo-se incomodado, acenou para o homem de batina, indicando que ele deveria ir. Confuso e apressado, o sacerdote tropeçou na batina ao descer os três degraus do palanque, quase cai.

— O que está acontecendo aqui? - foi logo perguntando o padre, homem religioso e santo.

Dona Mariquinha o inteirou dos fatos, dizendo que em momento de lucidez, a moribunda solicitara que fizessem o casamento dela, para que a criança não fosse filha de mãe solteira. O religioso, para se ver livre o mais rápido possível daquela situação, concordou. Quem seria o marido daquela jovem? - pensou o homem de Deus. Olhou para aquele que o fizera chegar até ali, chamou-o e falou sério:

— Você vai ser o marido dela - sentenciou.

Após as bênçãos e administrado o sacramento do ato religioso, o celebrante proclamou: estão casados e de hoje em diante serão marido e mulher, perante a Lei de Deus! - saindo o mais rápido possível daquele local pecaminoso. Após os últimos acordes da banda, ouviu-se um forte choro de criança, um bebê acabara de ganhar um mundo e a garota, que ao despertar daquela situação, uma linda filha.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 03/05/2022
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