Pés apertados
Ah, apertava, e como apertava!
A bolha no calcanhar, de tão antiga, já assoprava velinhas - que mal cabiam no bolo -, enquanto que o mindinho, aquele pedacinho de carne sofrido e vermelho, era sempre esfolado.
Apertava, como apertava!
E quem sabe um dia aquilo virasse costume, hábito, talvez até motivo de gracejo; quem sabe, razão para orgulho.
E teria sido mesmo melhor se assim o fosse? Jurava-se que sim.
Porém, um dia, aquele gato grande, gordo e pesado, arranhando as paredes do estômago, finalmente alcançou o fio da tomada. Acidente ou destino, a coisa saiu da tomada, a coisa desligou.
Foi então que os esparadrapos no calcanhar soaram ridículos, a Hipoglós besuntando o mindinho pareceu nada senão patética.
E, claro, quando os pés se livraram do calçado, as Vozes vieram rápidas como sempre.
'Idiota!'
'Iludido!'
'Tá maluco?'
'O que os outros vão pensar se te virem assim, hein!?'
'Nessa idade...'
Algumas Vozes nada disseram, apenas riram com suas bocas retorcidas e velhacas.
Mas os pés, ah, os pés... Eles já estavam surdos em sua liberdade: a umidade fresca da terra, das folhas e dos galhos estalava uma melodia antiga, e tudo o mais tornou-se um tranquilo silêncio andarilho.