O TERRORISTA

João Paulo Dantas, nascido em 09 de dezembro de 1959, baiano de salvador, pele preta, raça negra, advogado, casado com D. Ana Borges Souza, pai de 03 filhos, Ana Virgínia Souza Dantas, Ana Cláudia Souza Dantas, e Arthur Luís Souza Dantas, avô, de Arthur Junior, e Tainá Borges Dantas, torcedor fervoroso do seu time do coração, temente a Deus, fez da sua profissão seu sacerdócio.

Todos os dias, pacificamente, e praticamente no mesmo horário, por volta das 08h30min, dirigi-se ao seu escritório, fazendo o seguinte percurso: deixa o carro no estacionamento, encaminha-se ao metrô, embarca sem erro de um minuto às 8h45mim, e chega mais ou menos, variavelmente em seu escritório por voltadas 9h25mim, talvez com atraso de alguns segundos.

Veste-se a caráter, por gosto, e por força da profissão, barba sempre aparada com esmero, uma pasta inseparável marca executivo, na cor preta, na qual guarda os papéis referentes aos seus processos no qual atua como patrono, às vezes um notebook, um celular, canetas, e algumas coisas que compra no caminho, quando se dirige de volta para casa, principalmente às sextas-feiras, quando passa na barraca de Augusto dos Anjos. Nessa sexta-feira, ao voltar para casa antes de se deslocar ao metrô, passou na barraca e comprou frutas, e as colocou na pasta, num compartimento distante de seus processos, por zelo e precaução.

Ao chegar ao metrô, já na rampa de embarque, notara que vários seguranças o observavam à distância, olhavam insistentemente para a sua pasta, num misto de desconfiança e curiosidade.

Um deles não se conteve, e se aproximando sem dar boa tarde, lhe perguntou:

- Que trazes na pasta, senhor? O senhor é pastor?

Ele respondeu:

- Não senhor, processos e frutas. Sou advogado!

Ele voltou para seu posto junto aos outros colegas sem protestar, e continuaram no posto de observação.

Ele não sabia o porquê da confusão não se parecia em nada com nenhum representante do povo árabe (não há xenofobia), para estarem desconfiando de sua pasta,não é adepto da guerra santa, só conhece alguma coisa dessas regiões, em função das mídias: Arábia Saudita, Argélia, Bahrein, Catar, Comores, Djibuti, Egito, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Iraque, Jordânia, Kuwait, Líbano, Líbia, Mauritânia, Marrocos, Omã, Somália, Sudão, Síria, Tunísia, territórios palestinos. Nem tão pouco é mulçumano, pois não tem fé no Islamismo! É baiano da boa terra, baiano de Salvador, preto, raça negra, e deposita a sua fé no Senhor do Bonfim! Onde deixou de subir a Colina Sagrada, no dia da grande festa, por força da idade, e da coluna.

Quando o trem chegou à estação ele embarcou com a mesma tranquilidade de sempre, e todos embarcaram incontinentemente atrás dele.

Já dentro do trem, outro agente funcionário do metrô, aproximou-se sem dar boa tarde, perguntou:

- Vai saltar onde, senhor?

Ele respondeu:

-Na última estação!

Fez-se novo silêncio entre eles, porém a pasta preta parecia um imã que os atraía, e eles não conseguiam desgrudar os olhos dela. Chegando à estação, ele desembarcou como os demais passageiros que até certo ponto nada notaram.

E todos os agentes quase se precipitam sobre ele, atropelando-o, foi nesse exato momento que ele notou que um grande contingente de policiais o aguardava, militares, estaduais e federais, o exército, a aeronáutica, a marinha, fuzileiros navais, a guarda municipal, alguns representantes de milícias, alguns representantes de grupos paramilitares, o esquadrão antiterrorismo, a representante do sindicato das empregadas domésticas, seguidores, representantes e simpatizantes dos grupos LGBT, os Babalorixás de diversos seguimentos, os cacíques das tribos indígenas, Atikum, Kaimbé, Kantaruré, Kiriri, Pankaru, Pankararé, Pataxó, Pataxó Hã-ha- hãe, Payayá, Truká, Tumbalalá, Tupinambá, Tuxá e Xukuru-Kari, todos, todos unidos em face de uma só causa, um só objetivo, a sua pasta preta.

A mídia em geral estava esperando o desfecho, cada um a seu turno querendo dá um grande furo, fazer sensacionalismo como sempre.

A Sindicalista-presidenta represente das prostitutas a dama-mor, indagou o porquê de todo aquele furdúncio, e ao ser, colocada a par da situação, sobre a pasta preta se colocou à disposição, e também as suas meninas.

Um deles se adiantou, parecia um oficial general, um Tenente Brigadeiro, patenteado na aeronáutica, e sem dar boa tarde, perguntou:

-O que trazes na pasta, senhor?

E ele respondeu:

-Processos e frutas, senhor!

Não demorou muito, outros dois se lhe acercaram e pediu que lhe entregasse a pasta, e o celular, que ficaria sob os cuidados deles, e sem ver nenhum atalho, obedeceu. Em seguida subjugou-se a mais uma ordem imperiosa impondo que os acompanhasse.

Foram indicando por monossílabos o caminho, e mapeando a trajetória com as mãos, e chegando ao destino inicial, deparou-se com mais de 150 militares, essa foi a sua impressão, fortemente armados, fora os que estavam à paisana.

Acatando novas ordens continuou andando, a caminhada da vergonha, onde telespectadores curiosos faziam seus julgamentos. Atendendo nova disposição mudou a trajetória sob a orientação do dedo indicador de um dos policiais, nesse séquito da desonra.

Chegando finalmente a uma área ampla notara que havia um grande salão e ordenaram que para lá si dirigisse e o guiou com arrogância, e incivilidade.

Adentraram a uma sala, semiescura, mal ventilada e percebera que lá dentro havia mais policiais, e mais armas, objetos para ele desconhecidos, si interrogou, seriam objetos para torturas? No Brasil tem isso? Indagou de si para si, num monólogo mudo e improvisado, ficou ainda sem respostas.

Dentro de um cubículo passou por um scanner, só detectaram rins, baço, fígado, faringe, esôfago, estômago, intestino delgado, intestino grosso, laringe, pulmões, vasos sanguíneos, rins, bexiga, ovários, útero, testículo, pênis, etc., etc., etc..., e um coração.

Após detectação infrutífera, em face do objetivo, um representante da Marinha, que também a tudo observara, levantou-se da cadeira onde estava confortavelmente sentado vendo aquele espetáculo do corpo humano, estava radiante, e sem dar boa tarde, lhe perguntou:

- Que guardas na pasta senhor? O senhor é Segurança?

E ouviu a resposta:

-Processos e frutas, senhor. Não, sou Advogado!

Imediatamente fora reconduzido e entregue numa segunda sala, onde havia cães farejadores, e amestrados, mais policiais, mais aparatos militares, mais aparatos de guerra, homens mascarados, e os ninjas e as ninjas, da policia civil, e ouviu de um chefe de policia local e de um miliciano ao mesmo tempo mesma pergunta:

-Que trazes na pasta, senhor? Vozes frias que parecia esconder alguma intenção!

Respondeu com pressa de sair, depressa dali:

-Processos e frutas, senhores! O celular eles confiscaram.

Novamente fora recambiado. Fora entregue numa última sala, como se fosse o maior inimigo do estado, um terrorista, onde se encontrava o esquadrão antibombas, e o esquadrão antiterrorista, que o aguardava, com a cara de poucos amigos. Até então tranquilo, nesse momento temeu pela sua vida.

Nisso, a pasta já houvera passado por várias mãos, que pareciam conduzi-la num verdadeiro desfile de heróis, defendendo a sua pátria, salvando-a do possível mundo das aparências, em contraste com o mundo contemporâneo que é regido pela comunicação, e nesse mundo atual é preciso sobre tudo aparecer.

Sim, aparecer, se notabilizar, para que haja existência, e parafraseando Descartes, daí o chavão: apareço logo existo. Todos estavam imbuídos de tal propósito, pois não sabiam quando haveria outra oportunidade generosa daquela, afinal era um evento internacional, o mundo já tomara ciência de tal perigo. A preta parecia ser de grande periculosidade.

Sua peregrinação continuara, e fora entregue numa outra sala, nessa sala a pasta foi confiada ao comissário do esquadrão antibomba, assim como o celular que fora confiscado, esse parecia que chefiava a expedição, e com voz rude, lhe perguntou:

-O que trazes na pasta? O senhor é pastor?

E todos ouviram a resposta:

-Processos e frutas senhores. Sou advogado! Entregou a carteira funcional.

Objetos, máquinas de última geração, dispositivos apropriados, procurando por radiação, procurando medi-la, ver sua extensão, amplitude, a que perigo estava todos submetidos. Ou algo similar, ou quem sabe uma nova invenção. Nada! Nenhum vestígio, nem alfa (α), nem beta (β), e nem gama (γ).

Nenhum vestígio, mínimo que fosse! Só o ar viciado de tantos homens respirando ao mesmo tempo juntos, dentro daquela sala superlotada, e de vezem quando liberando algumas ventosidades.

O celular fora todo desmontado, e três jovens oficiais se debruçavam sobre a árdua tarefa, exame meticuloso, o vasculharam minuciosamente, não deixaram peça sobre peça, vistoriaram cada recanto, cada saliência, cada parafusinho, onde estaria à ameaça, era um grande ponto de interrogação. Porém, nada, nada era revelado a não serem as ligações de seus clientes, querendo saber sobre os seus processos, ligações de sua amorosa esposa, de seus amados filhos, ligações até da sogra, fora isso, nada, nada, que justiçasse que ali estaria um gatilho, que uma vez acionado comandaria a grande destruição em massa dessa civilização baiana.

Deu-se por convencidos, deram-se por conta da inofensividade daquele aparelho, o seu instrumento de trabalho, onde conversava com seus clientes, participava das audiências on-line, via as notícias do seu time do coração, ouvia as músicas de sua predileção, e que servia principalmente para ele se comunicar com a sua família, nada, nada mais do que isso, então, ele não entendia, onde estava a ameaça. Porque desconfiavam dele. Terrorista?

As atenções que antes foram um pouco desviadas para o celular, agora estavam ela novamente totalmente concentradas na pasta, que estava sob a vigilância divina, rigorosa e bendita, do pároco da cidade, Padre Barnabé, que a benzia, a cada 05 minutos, exercendo o seu ofício, com devotamento e proficiência, afinal de contas ele estava representado Deus, naquela parada, naquela missão suprema. Sim, aquela pasta preta, de onde poderia se originar a destruição, e havia um grande clima de apreensão e severas expectativas, podia-se ouvir a respiração de cada um dos que ali estavam presentes, e que denotavam também uma grande curiosidade.

Os olhos fixos na pasta, ninguém ousava piscá-los, desviar um milímetro que fosse a sua atenção, perdendo-a de vista, ela poderia conter algum artefato, perigoso,aquela pretra! Ninguém queria comprometer-se, nem serem vistos como negligentes, incompetentes, e se esmeravam, na busca de solução. A pasta havia tirado a paz de todos eles, porém acenavam com a esperança de um dia de glórias, notabilidades, notoriedades, em função dos desfechos.

Com grande cautela, dois dos integrantes do esquadrão antibombas, e do esquadrão antiterrorista todos aparamentados como exige o cargo, máquinas de última geração para as investigações, com fito de desmascarar o agressor, e salvar a pátria, eram utilizadas sem economizar tempo e profissionalismo, feito com esmero, afinal de contas àquela pasta preta, estava sendo sinônimo de perigo pernicioso. Aquela pretinha!

Todavia, contudo, por fim, abriram-na, acercaram-se de todo o cuidado possível, ali poderia estar o inimigo do estado, e que poderia causar grande destruição, tomando todas as precauções excessivas, não se desviando dos protocolos necessários que a situação emergencial impunha, visto que, aquela preta era suspeita.

Abriram-na! Sim, abriram-na, enfim, ufa, alívio! E também aquela desopressão tirava o mundo das suas costas, certo, estava exercendo uma ação excepcional, com coragem, com bravura, profissionalismo ilibado, com o intuito de solucionar essa situação crítica, e agora? E a possibilidade de insígnias, como ficava?

Os rostos antes lívidos, carregados de expectativas e grande dosagem de receios na espera pelo pior, agora denunciavam grande tranquilidade, e até certo ponto, também grande desencantamento marcado a fogo em cada rosto.

Os agentes que estavam mais afastados da pasta ainda mantinha certa expectação, e finalmente desarmaram o espírito, quando receberam a notícia, de que de dentro da pasta foram retirados, processos e abacates!

Eram três abacates, e de tanto a pasta passar de mãos em mãos, pelas mãos dos comandos superiores, pelas mãos divinas de Santo Padre Barnabé, dois deles ficam avariados, um terceiro agente perguntou:

-Vai levá-los assim, senhor?

E ao ouvir resposta:

-Não, Senhor!

Alguns agentes, alguns militares, foram improvisando as colheres..., Barnabé, também improvisou a sua. Os outros ficaram olhando com a boca cheia d’água.

Recolocaram os processos, o celular todo desmontado (tiveram o critério de devolver cada peça, e as colocaram dentro de um saco plástico), e o abacate dentro da pasta, o que não sofreu nenhuma avaria, e estendendo-a, devolveram-na, ao mesmo tempo em que disseram em uníssono som, pode ir senhor.

O senhor é um homem livre!

A necessidade de aparecer, o poder exacerbado, ou até mesmo não saber usar o poder que lhe é conferido, ou sentirem-se muito acima do mesmo, são questões relevantes, e que precisam, ser debatidas, pois talvez muitos desses que exercem esses poderes não têm às vezes o mínimo preparo, e vão levando-o de roldão suas missões, e mais das vezes esse poder lhes sobem à cabeça, extrapolam o limite de competência, e os desumanizam.

O abuso de poder é gênero, não conseguir alcançar a finalidade administrativa em face dos desvios das atribuições pertinentes, gera vícios de competência, assim as arbitrariedades vão ganhando corpo, e tem cara, também tem cor.

Os princípios funcionam como uma espécie de base, e todas as ações devem respeitar esses princípios, isso são normas, na supremacia do interesse público, oportuniza-se buscar sempre o interesse geral, ou seja, da coletividade, que deve estar acima do interesse individual de quem quer que seja.

Porém o abuso de poder ou desvios de funções como prática abusiva criam nódoas, e essas manchas geram inseguranças, aviltam a dignidade humana.

Os artigos 5º caput, da Constituição de 1988, e 11º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, foram rasgados, deixados de lado em nome do sensacionalismo, e dos interesses particulares em querer aparecer, não importando as consequências que daí poderia advir.

As sedes precisavam ser dessedentadas, e cada qual queria saciá-las de conformidade com as suas expectativas, seus projetos pessoais, mesmo que para tal tivessem que improvisar as escadas.

Aparecer a qualquer custo era uma dessas necessidades inadiáveis, indiscutíveis, inegociáveis, andar braços dados com a notoriedade, outra, e assim por diante..., a que preço fosse.

Do inusitado, podem-se concluir muitas verdades, entre elas:

-No Brasil, tem muito Cacique, e pouco índio!

Albérico Silva.