Luto no Carnaval Fora de Época
Era sexta-feira à noite, dia vinte e dois de abril de 2022. No Brasil muitos emendavam aquele dia sem trabalhar e sem estudar, por causa do feriado do dia de Tiradentes que havia sido na quinta-feira, dia vinte e um.
No Brasil, ocorria também nesses dias o carnaval fora de época. As tradicionais escolas de samba estavam desfilando e em algumas cidades haviam blocos de carnaval.
Carlos estava morando sozinho no quinto andar de um prédio no centro de uma cidade do interior de Minas Gerais. Era por volta das 22h16 e ele estava sentado no sofá de sua sala, fumando um cigarro e encarando com os olhos marejados de lágrimas uma foto que estava na mesa de centro. Na foto estava ele, seu pai e sua mãe.
O fato dele estar triste era porque seus pais haviam morrido no ano de 2021, após contraírem o vírus do COVID19. Após esse acontecimento, Carlos, que era filho único, ficara ranzinza e vivia num luto interminável. Não ligava mais a televisão nem o aparelho de som que tinha em casa.
Naquele dia, algo estava atrapalhando seu luto. Um bloco de carnaval estava acontecendo na praça em frente ao apartamento onde ele morava, e dali, do quinto andar, ele conseguia ouvir todo aquele barulho de gritos e da banda tocando marchinhas.
Carlos estava achando aquilo tudo um grande absurdo. Como as pessoas podiam festejar com gente ainda morrendo por causa dos resquícios da pandemia? Como as pessoas podiam festejar com uma guerra ocorrendo na Ucrânia? Isso era o que ele pensava. Talvez ele estivesse pegando pesado demais, mas era assim que via tudo aquilo.
Após apagar o cigarro no cinzeiro, encheu um copo de whisky e bebeu como se fosse uma bebida leve. Lembrou de quando era mais novo, de quando viajava com os pais para Cabo Frio no carnaval. Sempre gostaram de passar o carnaval longe das festas. Que saudade ele estava sentindo daqueles tempos. Agora estava sozinho em casa, aos trinta e um anos de idade.
Em meio a essas lembranças, ouviu o som estridente da campanhinha tocar. “Mas quem será a esta hora?” , pensou. Levantou-se do sofá e foi ver quem era. Pelo olho mágico viu que eram seus amigos de trabalho Leonardo e João.
— Vamos entrando. — disse Carlos para os amigos ao abrir a porta.
Leonardo e João entraram, ambos segurando uma garrafa de cerveja, usando bermudas e abadas coloridos.
— Como você está, Carlos? — perguntou Leonardo.
— Eu vou levando. — respondeu Carlos num tom de voz triste, como se seus pais tivessem morrido naquela mesma semana.
— Vejo que você está se divertindo aqui. — disse João apontando para o maço de cigarros e a garrafa de whisky em cima da mesinha de centro.
— Essas coisas tem me ajudado a passar o tempo. — disse Carlos.
— Só não beba demais. Isso aí é bebida forte. — instruiu Leonardo.
— Eu conheço os meus limites. — respondeu Carlos meio irritado.
— Mas vamos deixar esse conversa furada de lado. Nós estávamos ali embaixo, na praça, curtindo o bloco de carnaval, e como você mora bem perto, pensamos em subir aqui e te chamar para dançar um pouco com a gente. — disse Leonardo.
— Me desculpem, mas eu vou ficar em casa mesmo. — Carlos disse com a voz fraca, abaixando a cabeça.
— Deixa de bobagem, Carlos. Vamos lá. — disse João, tentando animar o amigo. — Tem um monte de gatinhas lá. Eu mesmo já beijei três.
— É verdade, Carlos. Tem cada mulher bonita. Eu beijei duas. Vamos lá pra você dar uns beijinhos na boca também. — Leonardo pôs a mão no ombro de Carlos enquanto dizia.
— Vocês me desculpem, mas eu não estou no clima. — Carlos disse bebendo um gole de whisky.
— Anima aí, cara. Você vai ficar aqui nessa casa trancado para sempre? É carnaval, vamos curtir. — era João quem falava agora.
— Eu não quero. Podem voltar para lá, vou ficar por aqui mesmo. — Carlos foi aumentando o tom de voz.
— Nós dois estamos preocupados com você, Carlos. — informou Leonardo. — Nós sabemos que agora sua vida é ir da casa para o trabalho e do trabalho para casa. Vamos arejar um pouco essa cabeça.
— Eu não estou no clima — Carlos ergueu as sobrancelhas. — Tem pouco tempo que perdi meus pais. Eu ainda estou de luto.
— Mas já tem quase um ano que seus pais morreram. — lembrou João.
— Pois para mim não parece. — informou Carlos. — Para mim parece que foi ontem.
— Eu posso ser sincero? — perguntou João erguendo a voz. — Ficar aqui trancado nessa casa bebendo whisky e fumando cigarro não vai trazer eles de volta.
— Posso ir até a cozinha pegar uma cerveja na geladeira? — disse Carlos aos amigos. — Acho que vocês me convenceram a descer para o bloco.
— Claro. — sorriu João. — Que bom que você animou.
Carlos saiu da sala e foi até à cozinha. João e Leonardo ficaram satisfeitos, enfim tinham convencido o amigo.
Depois de um minuto mais ou menos voltou Carlos com as duas mãos para trás.
— Você já está pronto? Vamos descer? — perguntou Leonardo.
— Claro que estou pronto. — disse Carlos sorrindo. — estou pronto para tocar vocês dois da minha casa.
Carlos mostrou a mão direita. Nela segurava uma grande faca de cozinha afiada. Ao ver aquilo, João e Leonardo se assustaram.
— Vocês vieram aqui difamar meu paizinho e minha mãezinha? — gritou Carlos apontando a faca e gesticulando. — Pois tratem de ir embora agora, ou eu furo vocês.
Ao verem aquilo, João e Leonardo deram meia volta e saíram correndo, passando pela porta e descendo a escada do prédio pulando três em três degraus a cada passo.
No apartamento, Carlos fechou a porta, pôs a faca na mesinha de centro, sentou-se no sofá, acendeu mais um cigarro e voltou a encarar a foto com os olhos marejados de lágrimas.