Conto das terças-feiras – O velho amigo Jorge
Gilberto Carvalho Pereira – Veneza, Itália, 19 de abril de 2022
Jorge, solteiro, 58 anos de idade, nunca fora casado, vivera sozinho todo esse tampo, acabara de chegar naquela cidade. Viera de ônibus de São Paulo, após perder o emprego de armador de estrutura de concreto, devido à escassez dos negócios de construção, em sua cidade. Era um Az no assunto, com 30 anos de atividade no setor, executava as tarefas da profissão com esmero, podia executá-las de olhos fechados, dizia ele. Era mestre em confeccionar armações em aço, de qualidade e segurança, seguindo normas estabelecidas em manuais técnicos. Estava ali a convite de um amigo, que com ele trabalhara por alguns anos. A confiança no amigo Jorge, e sabedor que esse estava desempregado, animou o companheiro de batalha a chamá-lo a trabalhar no empreendimento que estava programando em sua terra natal. Uma obra de fôlego, um empreendimento que envolvia muito dinheiro. Era necessário formar uma equipe de primeira, e o recrutamento de pessoal estava sendo processado criteriosamente.
Entusiasmado com o que já tomara conhecimento, pelas informações do amigo Fred, Jorge não pensou duas vezes, arrumou as malas e partiu. Sabia que iria “se dar bem”, no bom sentido. O amigo o esperava na estação rodoviária, foi um encontro cheio de emoções, fazia mais de seis anos que não se viam, não se encontravam. Logo após esse momento, rumaram para o apartamento alugado, que seria a moradia de Jorge por uns quatro anos, até o término da obra.
No dia seguinte, se reencontraram e foram para o canteiro de obra. Sua dimensão assustou o recém-chegado, acostumado a trabalhar na construção de edifícios, geralmente de mais de 20 andares, circunscrito a uma área de 50.000 m2 e o que se descortinava à sua frente eram um terreno de mais de 200.000 m2 onde estava sendo construído um parque aquático e dois hotéis, de cinco andares cada, com 80 unidades de alojamento.
Em princípio aquilo o assustou, era uma obra de magnitude nunca trabalhado por ele. Pensou em desistir, também pensou na decepção do amigo pela sua recusa, mas, como não era homem de se entregar, resolveu enfrentar mais esse desafio em sua vida, apesar da idade. Chegou até ali, vamos ao trabalho, avaliou Jorge, agora mais confiante. Chamou o amigo Fred:
— Quando começamos os trabalhos? Quero ver a planta da obra, - pontuou!
— Calma, companheiro, temos muito o que fazer até entrarmos para valer, venha conhecer a sua equipe. O engenheiro o espera no escritório central, aquela construção amarela ali – apontando para o lado direito de onde se encontravam.
O primeiro dia de Jorge foi assim, reunião com os engenheiros, com o pessoal de sua equipe, obtendo informações sobre o projeto, sobre a sua magnitude e importância para a cidade. Havia muitos interesses envolvidos, o grupo incorporador era poderoso e não poderia haver atraso, desperdícios e erros. Apesar de ser em uma pequena cidade, o local era tido como uma das praias mais belas do país, o sucesso do empreendimento deveria ser perseguido. O novo colaborador tinha ciência disso, e estava confiante da responsabilidade que lhe cabia.
Satisfeito com resultados do dia, Jorge foi animado para o endereço a ele reservado, uma modesta casa, mobiliada, bem localizada e com uma funcionária à sua disposição, um pernambucana, de uns 37 anos, solteira, alta e de feições agradáveis, um pouco desconfiada. Ao chegar em casa, Nilce já o esperava. para receber as instruções como seu novo patrão gostaria que ela agisse.
— Boa tarde, eu sou o Jorge, novo funcionário da Construtora J. S. Irmãos. Acho que vamos passar alguns anos nos vendo todos os dias, se é que você vai me suportar. Nunca me casei, sempre morei sozinho, mas eles querem que você tome conta da casa. Faça do seu jeito, portanto!
Envergonhada, ela abaixou a cabeça mais ainda, e disse:
— Eu sempre trabalhei em casa de família, sou órfã, meus pais morreram de acidente, quando eu tinha quatro anos de idade. Desde essa época vivi de casa em casa de pessoas, às vezes, completamente desconhecidas. Passei muito perrengue na vida, mas sobrevivi. Hoje estou bem, me dou com todo mundo.
Sete anos depois encontrei o velho amigo Jorge, agora morando novamente em São Paulo, com semblante mais jovial, alegre e acompanhado de uma mulher mais jovem que ele, e dois garotinhos.
— Minha mulher e meus filhos, disse-me, sorrido e mostrando, ambos, felicidade!
Balancei a cabeça, sorri e afastei-me, estava contente por ver o velho Jorge feliz. Olhei para trás e o vi entrar em um carro novo e sumir na esquina. Apressei meus passos, pois tinha consulta médica marcada. Foi a última vez que tive com o amigo de longa data.