- Tertuliano de Assis Anunciação Souza.
As mãos frias e o coração acelerado. Num movimento de vai e vem, esfregava os dedos de forma compulsiva até chegar a mesa da secretária. Primeira vez num lugar que lhe trazia constrangimento. Trocou olhares com várias pessoas e de algumas teve certo medo. Como podia ter tantas pessoas normais sentadas naquelas cadeiras de aço escovado? Um lugar frio. Olhares desconfiados. O que estaria ele fazendo naquele lugar? Ao escutar o seu nome teve uma crise de sentimentos e emoções. As pernas ficaram trêmulas e não o obedeciam. Era isso que precisava? Na frente de tantos estranhos passaria vergonha sem tamanho?
_ Tertulia...
- Um momento, já vou. Estava concentrado resolvendo problemas de trabalho. Sou a cabeça daquela empresa. Ninguém lá vive sem mim.
A secretária acompanhou-o até a porta do consultório e entregando-lhe a ficha cadastral, deu um sorriso acolhedor e disse:
- Não se preocupee! Será rápido.
(...)
- Não sei bem o que faço nesse lugar deprimente. Sequer sei o que você faz. Pra mim, cuida de transtornos de pessoas loucas. Não é? O que não se enquadra para mim.
Vim porque o médico da empresa sugeriu. Disse que estou estressado. Risco de Síndrome de Bounort. Mimimi da sociedade zen que mora com os pais depois dos 30 e acha graça nosso. Não tenho nada.
Trabalho 20 horas por dia. Não desligo um segundo sequer das atividades administrativas.
Sou visita em minha casa. Graças a Deus. Não suporto as reclamações de minha mulher. Tem tudo que o dinheiro paga: melhor salão, melhor carro, melhor apartamento. Meu cabelo andou caindo um pouco, mas e daí? É dos carecas que elas gostam mais. Minhas pálpebras acompanharam o movimento de queda. Mas e daí, doutor. Devo chamá-lo assim? Só tenho patrimônio a custas dessa vida corrida, passada. Só não fica velho quem já morreu. Estou no lucro!
Vejo meus filhos uma vez na semana. O que já é suficiente para os desentendimentos. Aborrescência do inferno! Tem de tudo e vive deprimido.
Tenho migrânea crônica. Nada que uma "neusa" não resolva em dois tempos. Se não funcionar tomo duas, três. Haja Neusa...
E não tenho problemas algum de saúde. Colesterol, Trigliceride, Glicose: tudo no lugar certo. Diga-me qual a função de vir vê-lo. Não estaria o médico que sugeriu errado? Talvez ele precisasse de um psiquiatra, não?
- Bom dia, Tertuliano! Um pouco agitado? Logo foi interrompido.
- Não posso perder tempo! Tempo é money!! Bufunfa. Eu não atendo particular e com hora marcada, doutor. Não tenho estes privilégios.
- Bem, trabalho com as emoções. É como se fosse um artesão separando os fios de lã para tecer uma blusa. E como a blusa não é para mim, é preciso ajustá-la. Sou apenas um instrumento. Costuro emoções humanas para que as linhas não deem nós.
- Mas não tenho problema algum. Tudo está indo tão bem. Ganho dinheiro, supro todas as necessidades da família. Cabeça vazia é oficina do diabo! Preguiça é coisa da geração Y e Z.
De repente, o rapaz olhou para o psiquiatra e desfaleceu. O médico levantou-se rapidamente e foi buscar socorro. O SAMU foi acionado e Tertuliano levado para o hospital. Dia seguinte a notícia: AVC, provavelmente causado por stress. O psiquiatra assustado afirmou para a secretaria que corria para lhe dar notícias:
- Pena que não deu tempo! Qual o estado de saúde dele?
- Estável. Requer cuidados. Mas perdeu a fala.
- Inevitável em alguns casos.
- Mas escreveu-lhe este bilhete e de acordo com a esposa, pediu para lhe entregar:
"Não te chamei pelo nome nenhuma vez. Sim! Durante a consulta, o vi como um louco tentando me analisar. Agora, nessa cama fria de hospital, ouso dizer: minhas emoções quase me mataram. As paredes do hospital guardam dores que não foram dissolvidas, mortes interiores sem sepulcro, ausências de perdão que viraram mágoas e cresceram em tumores. Essas paredes de solidão tem uma carga que causa enjôo. O sofrimento nos leva à uma conexão com a miséria. Com o que há de pior em nós. Nossas fraquezas são camufladas como se camaleõs fóssemos, até que um predador nos reconheça.Nunca, um dia sequer, quis parar e dar conta de todos os problemas que tinha. E não são poucos. Reconhecer limites me levaria ao poço. Não reconhecê-los me levou ao precipício. Perdi o que mais prezava. A fala, lábia. A minha melhor característica. Reversível? Talvez. Mas não é reversível o peso de não aceitar que as emoções são monstros e precisam ser divididas em potes de tampas coloridas. Não deu tempo. Mas preciso recuperar o que perdi. Espero que me receba de volta. Desculpe e obrigado."
O psiquiatra surpreso, pegou o bilhete e o guardou numa gaveta, na qual, dezenas como aquele estavam alojados. E, mentalmente, repetia: emoções também matam. E morrem... De certo modo.
- O próximo, Alice. Pode pedir para entrar...