Conto das terças-feiras – Tempo de colégio

Gilberto Carvalho Pereira – Carcavelos, PT, 12 de abril de 2022

Estávamos no quarto ano primário, de um excelente colégio de classe média-alta, satisfeitos porque as disciplinas matemática, ciências, português, história e geografia, eram ministradas, separadamente, por cinco professores. Todos muito educados, com exceção do professor de português. Querendo dar uma de organizado, o que na verdade ele não era assim, resolveu, para facilitar a tarefa obrigatória da chamada diária, disponibilizar as cadeiras para os alunos, pela ordem do número de chamada, que por sua vez, eram atribuídos em ordem alfabética. Assim, o número um era o Acácio, o dois, o Alberto, o três, a Creusa, seguindo-se, na mesma ordem, os outros alunos. Os demais professores não agiam dessa maneira, sentávamo-nos onde queríamos, o lugar era de quem chegasse primeiro. Lá pelo meio do ano todos já sabiam onde se sentar, geralmente pela identificação de amizade.

A partir desse dia, somente na aula dele, ninguém poderia ocupar outra cadeira, a não ser, a sua. No segundo dia, após o estabelecimento dessa norma, encontrei um aluno sentado em minha cadeira. Fez isso porque desconhecia o que ficara determinado pelo professor de Português. O coitado faltara aula no dia anterior e se aboletou no meu lugar. Não gostei, pois temia levar uma repreenda do mestre ou mesmo, um castigo mais pesado, uma falta, ser expulso da sala de aula. Preocupado, solicitei, com muita delicadeza, que o infrator deixasse o meu espaço e fosse procurar o dele, que também já estava determinado pelo professor:

— Por favor, esse lugar é meu!

A resposta foi um tremendo não:

— Seu lugar é no inferno, - respondeu-me ele.

Tentei explicar o que acontecera na aula de português do dia anterior. Irredutível, o colega soltou alguns impropérios – naquela época alguns mal-educados já nos tratavam assim, quando contrariados. Então apelei:

— Vou tirar você à força! – já gritando.

O meliante, muito maior que eu, enfrentou-me:

— Venha se você for homem!

Aquela ousadia feriu meu brio, sentado ficou, não se mexeu da cadeira. Dei dois passos adiante e lhe desferi um soco bem no meio das suas fuças. Pela surpresa, o sujeito ficou atônito, achava que eu não teria coragem suficiente para fazer aquilo, não teve reação. O sangue começou a escorrer e a tingir a sua farda verde, de vermelho. Eu não imaginava que tinha um soco tão poderoso. O grandão, ao ver o sangue começou a berrar. Os amigos correram a chamar suas irmãs, que também assustadas, voaram sobre mim. Pequeno, usei de minha agilidade e escapei, corri para a sala dos professores. A essa altura também estava com receio, poderia ter quebrado o nariz do meu colega.

No colégio havia um enfermeiro, que fora chamado para acudir o garoto com o nariz sangrando. Todo o colégio ficou sabendo do acontecido, queriam saber detalhes, ver quem brigara com quem e por quê? O assunto tomou tal proporção que fomos chamados à diretoria. Apesar de todas as explicações dadas, pegamos uma semana de suspensão. Foi horrível, principalmente para mim, que nunca tivera nenhuma punição, por mais leve que fosse.

A maior preocupação era como contar para os meus pais. Até aquela data nenhum dos irmãos havia brigado no colégio, e muito menos pegara castigo tão grave. Contei para a minha mãe, que compreendeu a minha reação. Já o meu pai, mais preocupado com nossa educação, com o nosso comportamento, fez um sermão dizendo que eu não deveria bater em ninguém, que procurasse resolver minhas discórdias, com diálogo, sem entrar em luta. Deu-me dois dias sem sair de casa.

Na volta às aulas fui assediado por alguns garotos, geralmente da mesma estatura que a minha, para saber como fizera aquilo, em um sujeito muito maior do que eu. Eles relatavam que sempre estavam sendo incomodados por garotos maiores. Dizia-lhes que fora apenas uma reação impensada, que ninguém deveria agir daquela forma, principalmente dentro de uma sala de aula. Uma recomendação que sempre segui.

Mesmo assim, passei a ser considerado o herói dos baixinhos, daquele colégio. Era sempre saudado pela gurizada. Não fiquei sabendo o que os pais do grandão dissera para ele, só sei que nunca mais fui incomodado por garotos do meu tope, nem mesmo por alguns maiores.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 12/04/2022
Reeditado em 12/04/2022
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