O QUE ACONTECEU?

- Aristeu Fatal

Um grupo de amigos fazia sua caminhada matutina, diária, numa das praças da cidade onde eles viviam. Começavam muito cedo, ali pelas cinco e meia da manhã. A praça não era das maiores, seu perímetro devia ter mais ou menos uns 250 metros, e o jardim entremeado por duas pequenas alamedas de uns 50 metros, dividindo-o em partes. Bem arborizada. Cada percurso feito dava, então, por volta de 350 metros. Circundando-a, possuía prédios de apartamentos, estabelecimentos comerciais de variados tipos, restaurantes, lojas de moda, lanchonetes, lavanderias, consultórios, poucas residências. O grupo de amigos continha, quando completo, oito membros, entre educadores, advogados, empresários, comerciantes, porém, nada de diferenças, todos estavam ali para manter atividade física, e passar alguns momentos de lazer. Nem todos andavam juntos, pois havia os mais ligeiros. As conversas, como se pode prever onde há somente idosos, eram as mais variadas possíveis, girando em torno do passado, saúde, exames, preços, futebol, política, muitas piadas, gozações...etc.

Lourival, um dos componentes do grupo, que mora não longe da praça, mas numa rua não vista da mesma, de repente, num acesso meio descontrolado, desesperado diz:

- Estou sendo atacado por visões desconhecidas, mal vejo pessoas, gente sendo agarrada, parece que estão em minha sala, um corre-corre...!

Alcides, que está a seu lado, fala calma Lourival. Ao mesmo tempo, segura o amigo que parece estar tendo um surto de loucura, um desmaio, e pede para os outros virem em socorro.

- Vamos levá-lo para casa, diz Alcides.

Vão para o carro de Eugênio, colocam Lourival dentro do mesmo e se dirigem para a residência dele.

Alcides e Eugênio, vão comentando que, ultimamente têm estranhado o comportamento de Lourival, meio preocupado com alguns acontecimentos em sua casa, algumas situações com filho, enfim, o amigo não parece estar bem

Ao adentrarem na rua, logo veem um carro da polícia, uma ambulância, um grupo de pessoas, claro que curiosas, e ao pararem o veículo, Lourival tenta sair correndo, mas é impedido por dois policiais. É colocado na ambulância onde uma enfermeira rapidamente lhe aplica um sedativo.

O que aconteceu?

- Alberto Vasconcelos

Assim como o Lourival gostava de fazer caminhadas, a dona Maria Augusta, sua esposa, talvez por influência do marido, também pratica exercícios diários com o grupo de senhoras, amigas de longas datas, em caminhadas diárias pela praça ao fim da tarde e sessões na academia. Vaidosa que é, nunca se conformou com o aumento de peso resistente aos inúmeros regimes alimentares cujos resultados sempre se revertem quando finalmente as pessoas os abandonam.

Mas dessa vez a batalha contra as gordurinhas seria vencida. Um chá de ervas desenvolvido pelo personal trainer contratado pela academia há alguns meses, era garantia definitiva para tal. Apesar da idade avançada, o professor Severino, aliás Bahadar Abhay, nome adotado quando foi para a Índia concluir o curso de ioga cujo significado “Guerreiro sem Medo” achou que melhor condizia com sua aparência e maneira de ser. Cabelos longos, corpo dentro dos parâmetros ideais quanto a peso/altura e musculatura preservada como eram na adolescência. Tudo isso graças aos exercícios, a vigilância constante com a alimentação e uso do chá milagroso vindo diretamente da Índia. Uma xícara pela manhã e outra antes de deitar eram a garantia de vida saudável e feliz. Maria Augusta convencida pela propaganda, comprou uma boa carga do chá e induziu Lourival a participar do tratamento que, com o passar do tempo, tornou-se hábito quase involuntário e, diariamente, antes da caminhada com os amigos no parque, Lourival toma sua xícara da infusão que deve ser consumida antes que esfrie. A falta de energia para usar a cafeteira obrigou Lourival a usar o fogão de várias bocas com tamanhos diferentes, acionadas por inúmeros botões, confuso para quem raramente ia à cozinha. Acionou vários deles e por fim, conseguiu preparar o chá que, precisava ser bebido às pressas pois já passava das cinco e meia e os amigos estavam lhe esperando e entre risos, contou ao Alcides a sua dificuldade em manejar o fogão...

- Cléa Magnani

Como praticassem seus exercícios em horários diferentes, dona Maria Augusta costumava acordar mais tarde, pois não estava disposta a se levantar às 5 da manhã.

Assim que o marido se levantou ela virou para o outro lado e dormiu. A vida do casal era sempre igual. O que quebrava a rotina eram algumas entregas dos pacotes do chá que o Professor Severino mandava por um entregador para que dona Maria Augusta guardasse bem protegido do calor excessivo e da umidade, para não perder suas propriedades terapêuticas. Ela os guardava no maleiro de seu guarda-roupas e quando o Professor precisava, mandava o mesmo entregador, para buscar 2 ou 3 pacotes, que logo eram repostos assim que chegassem da Índia, nova partida. Lourival nem sabia disso. Como gratidão pela guarda do chá, o Professor sempre mandava um pacote de graça para o casal, e pedia que ela nunca usasse dos que ele dava para ela guardar, para ele não perder o controle. E ela nunca abria nenhum dos pacotes guardados.

Porém, naquela manhã, já saindo meio atrasado, sem a cafeteira e sem saber usar o fogão direito, as coisas se complicaram. Lourival ao sair, deixou um dos queimadores do fogão aberto. Dona Maria Augusta despertou sentindo-se muito mal, veio até a cozinha, e ao acender a luz, como não tinha energia, nada aconteceu, mas o cheiro forte do gás se esparramou pela vizinhança. Dona Maria Augusta, intoxicada pelo cheiro sufocante, desmaiou ao abrir a porta e tentar sair pedindo socorro. Caiu na porta da sala, que ficou aberta, aumentando o cheiro do gás pela rua. Vizinhos ao vê-la caída, chamaram uma ambulância. Uma viatura da polícia passava pela rua, e os policiais entraram na residência, enquanto os paramédicos tentavam ressuscitar dona Maria Augusta. O comentário dos vizinhos era que o marido dela saía muito cedo todas as manhãs, e que ela havia comentado com a vizinha que Lourival andava meio esquisito, e que depois que começaram o tratamento com o professor Bahadar Abhay, tomando o chá maravilhoso, ele começou a ter umas alucinações... Um dos policiais entrou em contato com a Delegacia, e foi ordenada uma busca geral na casa para encontrar o tal chá, pois o professor era procurado pelo FBI por tráfico de drogas. Nesse momento Lourival chega, trazido pelos amigos. Ao ver a esposa na maca, e a Polícia revirando sua casa, entra em surto e tenta sair correndo. É detido por um dos policiais, enquanto o outro sai de dentro da casa com vários pacotes que são examinados ali na rua mesmo e o conteúdo é cocaína pura. Dona Maria Augusta segue na ambulância algemada para o hospital. Lourival precisa ser sedado e segue algemado na viatura, para a Delegacia. E a rua inteira vem saber: O QUE ACONTECEU.