Conto das terças-feiras – Memórias de uma ladeira
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 5 de abril de 2022
A travessa Belo Horizonte, em Itabuna, Bahia, está circunscrita entre a Rua Henrique Alves, no início da ladeira e a Rua Ramiro Nunes de Aquino, no seu topo, no Bairro Pontalzinho, com uma inclinação de mais ou menos 35º. Em sua reduzida extensão, casas de padrão mediano desfilavam de ambos os lados, cujos residentes faziam parte, e sempre fizeram, pessoas classificadas como da classe média.
Entre os anos de 1967 e 1970, subi e desci inúmeras vezes esse trecho. Ainda muito jovem percorri, com o fôlego e euforia que a saúde me permitia, até o seu meio, mais precisamente no número 47, onde residia a garota que eu namorava. Chegava em sua casa, pontualmente, às vinte horas, com despedidas diárias às vinte e duas horas. Embora não fosse de meu agrado essa rigidez de horário, era uma imposição da mãe dela, que deveria ser cumprido rigorosamente, caso contrário minha presença ali, naquela porta, seria rechaçada.
Em uma cidade pequena todos se conhecem, e se importam. No início me parecia ser vigiado por todos, pois aqueles moradores nutriam um sentimento de pertencimento entre eles. Aos poucos foram se acostumando com minhas visitas à casa de Seu Argemiro e Dona Zefinha, pessoas das mais queridas naquela artéria, pais de dois rapazes, três moças e uma criança. Entre as moças, destacava-se uma, rosto bem torneado, transpirando o frescor da juventude, sorriso alegre, cabelos pretos, longos e sedosos, por quem me apaixonei de pronto.
Entre os moradores, já no começo da travessa, nessa época, do lado esquerdo de quem subia, morava o casal Otaviano Curvelo, comerciante, dono de uma loja de móveis, com quatro filhas e três filhos. Como seus vizinhos eles tinham Dona Almira, um filho, a nora e uma netinha. Em seguida Dona Rosa, que morava sozinha, logo após, Dona Amabília, seus filhos João, bom sujeito, Iacilton e Ilka. Antes do número 47, havia um terreno sem edificação. Encostada ao 47, parede com parede, morava uma senhora conhecida como Benzinha, solteirona, e quatro sobrinhos. Geminada à essa última, havia a casa de Guidinha, Gracinha e Tonha, a manicure do pedaço, todas irmãs. Logo após, o casal Antônio e Mercedes, com uma filha, que tinham como vizinhos o jovem casal Gracinha e Baltazar. Junto à essa casa, um terreno vazio. Na casa seguinte morava Dona Lenira, na outra casa, morava Sr. Sueco, que de sueco não tinha nada, era baiano da gema, sua mulher e um filho. Para terminar esse lado, tinha a venda do Raimundo, pequena mercearia, que vendia de um tudo, sobressaindo a cerveja, a alegria dos beberrões.
Do outro lado, logo no início da ladeira estava instalada a venda do Otacílio, a casa de Dona Helena, mãe de Kátia, uma menina de seus treze anos, que aparecia sempre na casa de dona Zefinha, quando por lá eu chegava, o marido e duas filhas. Seguia-se o Sr. Agripino, que só vivia embriagado, a casa da Sra. Maria e suas duas filhas, Maura e Luzia. Na casa ao lado, dona Alice e duas filhas, vizinha a delas era a casa de dona Rita, com três filhos, uma filha e um neto, do qual eu era padrinho. Seguiam-se as casas de Dadá, solteiro, dona Chica e seu filho, e a casa do Cruz, funcionário da Ceplac, onde eu trabalhava, e sua esposa e uma filha.
Nos dias de hoje, esse pequeno habitat seria considerado uma comunidade, com seus contrastes, seus conflitos, suas alegrias e que, juntos, tentavam conviver harmoniosamente. Nesse laboratório social, participei, inicialmente, como observador e, posteriormente, interagindo, já que boa parte de meu tempo passava entre eles, após as atividades laborais profissionais, tentando aprender a ser uma pessoa de visão mais aberta e colaborativo. Fiz boas amizades, foi uma experiência fantástica!