A casa do inquilino
Demorou um tempo até Pedro entender o que significava o vai e vem de pessoas nas casas dentro de seu quintal. Não eram seus parentes que moravam ali, mas pessoas estranhas. Às vezes, habitavam um velho com uma velha. Às vezes havia crianças com seus pais. Às vezes tinham adolescentes da idade de Pedro. Alguns tinham cachorro, outros gato e passarinhos na gaiola. Esses eram os inquilinos de seu pai, o Sr. Silva, que tinha duas casas alugadas construídas ao lado da sua casa localizada num bairro de classe média baixa. De tempos em tempos, chegava o momento que esses inquilinos começavam a dever um, dois, três meses de aluguel. Logo, o pai de Pedro pedia a desocupação da casa. Para os que mais relutavam em sair, ele deixava de encher a caixa d'água da casa por uns dias, criando um clima nada amistoso dentro do quintal. Entrar com notificações, processos na justiça ou qualquer coisa formal não era o negócio do pai de Pedro. Sua filosofia era de um homem desconfiado do sistema e que tinha que defender por conta própria aquilo que era seu. Mas no final, o inquilino devedor sempre acabava saindo. O tamanho da raiva do inquilino por toda a situação era medido pela quantidade de sujeira que deixava na casa ao sair.
A partir da saída do inquilino, nesse momento antes de se ajeitar a casa para ser alugada para um novo morador, Pedro passou a admirar a sensação de entrar na casa recém-desocupada. Era como estar entrando num local proibido, que até a semana anterior tinha dono e só poderia entrar se fosse convidado, o que nunca ocorria. Parecia errado estar ali. O que mais acusava a intrusão de Pedro naquele local eram os cheiros, ainda vivos, fortes, presentes, distintos, dos últimos moradores daquela casa. Ele sentia cheiro de cigarro. Nos quartos, era possível perceber cheiro de perfume, cheiro de suor, cheiro de madeira de móveis. Na cozinha, cheiro de mofo das paredes úmidas. Todo o cheiro estava misturado ao cheiro de cigarro que parecia estar impregnado na tinta da parede por toda a casa.
Mas o que mais encantava Pedro e o enchia de curiosidade era abrir as gavetas, sejam as da pia da cozinha, sejam as de algum móvel que deixavam por não conseguirem transportar para fora, sejam do armário dentro dos espelhos. Havia ali a expectativa de descobrir algo deixado pelo antigo morador, quer seja uma embalagem de xampu pela metade, um barbeador descartável, uma caixa de fósforo, uma etiqueta de roupa nova, um cupom fiscal de uma compra, um produto de limpeza. Coisas tão banais, mas que para Pedro tinha um ar de bisbilhotagem, de intimidade exposta, de segredo descoberto. Tudo isso para Pedro era muito curioso e excitante. Bastava dar espaço para imaginação. Com todo o cheiro do ambiente, com todos os objetos deixados por eles na casa e com a vaga lembrança que tinha desses moradores, Pedro podia imaginar suas vidas, suas personalidades, suas rotinas, suas intimidades. Ele sentia como se a casa estivesse cheia novamente e com ele lá dentro, assistindo tudo sem ser visto.
Depois de perceber o potencial de sensações e prazeres que uma simples casa vazia poderia oferecer, Pedro passou a ficar curioso sobre os próximos inquilinos que entrariam ali. Mas ele não queria esperar a casa estar vazia para ter esse encanto de participar da vida alheia novamente. Pedro então viu que havia algo na casa que podia mostrar sem estar mostrando, falar sem estar lhe dirigindo a palavra, emitir cheiros sem querer se mostrar perfumado. Ele se encantou então pelas janelas. O que as paredes escondiam, as janelas deixavam escapar. Passar por elas era sua atividade diária, que buscava fazer com discrição para não ser notado enquanto a todos notava. Pela manhã, podia ouvir pela janela o barulho de água sendo fervida no fogão, a fumaça que saía e que indicava a preparação de um café antes do trabalho ou da escola de alguém. Ele via isso e admirava ver o trabalho de alguém na preparação daquilo e se sentir incluso nele sem ter naquilo participação alguma. Passava rápido, e na volta já podia sentir o cheiro da água quente transformada em café. Um dos momentos mais interessantes era ver a janela do banheiro fechada e a luz acesa. Perceber o vapor de fumaça embaçando o vidro por estar alguém tomando banho era fascinante. Nesses momentos, ele se fazia perguntas sobre quem estaria ali, há quanto tempo, como seria o cheiro do xampu que estava sendo usado. Ele via apenas um relance, uma imagem embaçada, mas era a sombra da intimidade de alguém, e isso era fascinante para Pedro.
As janelas mostraram a Pedro pessoas vendo TV, pessoas rindo, pessoas discutindo, um homem sem camisa, crianças chorando, roupas na cama, mulheres almoçando, convidados que vinham de fora. Tudo isso era seu deleite contemplativo diário. Até que um dia o Sr. Silva comentou dentro de casa que aqueles moradores estavam planejando se mudar para uma casa menor, em outro bairro. Eles sairiam dali até o final daquela semana. Pedro ficou num misto de pensamentos. Ele não sabia se lamentava pela perda da observação dos relances pelas janelas ou se animava pelos cheiros e pelos objetos que poderia experimentar na casa vazia, agora com muito mais informação visual que das outras vezes.
O inquilino retirou todos os móveis da casa e entregou a chave da casa para Pedro para que ele entregasse a seu pai quando chegasse. Pedro via o inquilino e toda sua família fora de casa, entrando num carro. Todos pareciam empolgados. Ouviu a mulher perguntando a uma das crianças se ela pegou o chinelo que estava atrás da porta. A criança respondeu com um barulho como se a pergunta tivesse uma resposta óbvia. O homem da casa olhava para trás e conferia os bolsos como se tivesse certeza que esquecera algo, mas seguiu em frente. A filha jovem perguntou ao pai se ele lembrou de tirar o chaveiro lilás dela do molho de chaves antes de entregá-lo para o... o filho do Sr. Silva, hesitando ao tentar lembrar seu nome. Pedro observava com toda atenção essa interação entre eles, absorto, vidrado. Ele imaginou que toda aquela imagem visual lhe seria útil depois.