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Sim, é verdade, com a morte tudo se acaba. Lá se vão as riquezas, as honras, o luxo, as glórias terrenas e até nosso pobre corpo tão miserável se transforma num monturo asqueroso e horrível. Vamos ao pó donde viemos.
Prof. Felipe Aquino
TUDO SE ACABA...
Mário deu voltas e mais voltas para estacionar o carro mas sem sucesso, estava tudo cheio, nem um lugar para arrumar o seu velho calhambeque… Já estava atrasado para a visita, tinham-no prendido no escritório com um problema de última hora e agora exasperava pois não podia deixar o carro parado no meio da rua.
Ia ver o pai todos os dias, estava internado nos Cuidados Paliativos do Instituto Português de Oncologia. Sentia-o definhar cada dia que passava, fruto de um cancro em estado avançado. Não fora por falta de aviso, de médicos e da família, que ele tinha chegado a esse estado. Agora era tarde de mais.
O seu único irmão, o Luis, estava longe, era camionista de longo curso, chegava a andar fora do país mais de um mês, para desespero da sua cunhada, Laura, que tinha de se haver com seus três filhos adolescentes, rebeldes e sempre impacientes com tudo. Agora ele andava pelo Luxemburgo e possivelmente quando regressasse já não veria o progenitor vivo.
Tendo em conta a situação atual, Mário tornara-se quase que a única visita, pois também havia grandes restrições - somente uma por dia e apenas por meia hora.
Por fim, encontrou um lugar mesmo à conta e estacionou.
Identificou-se perante o segurança, à entrada do pequeno edifício, mostrando o certificado comprovando já ter as três vacinas administradas e também o cartão de cidadão, para registo. Depois subiu ao piso 2, até ao quarto onde o pai estava.
Pelo caminho viu a enfermeira responsável pelo piso, que o saudou. Ele perguntou logo pelo estado de saúde do pai. Apesar de saber que não havia solução, restava sempre uma ponta de esperança. E Fé em Deus, o último recurso quando a medicina já nada pode fazer.
Teve a infeliz confirmação, o pai estava por pouco tempo, talvez duas ou três semanas, não mais.
Mário não conseguiu disfarçar uma lágrima rebelde; depois resoluto, entrou no quarto. Não queria que o pai o visse assim.
Era um espaço individual, tipo suite, espaçoso e arejado, tal como os restantes quartos.
Olhou o pai. Estava mesmo com péssimo aspeto, a que a barba por fazer ainda mais piorava o quadro. Já não comia normalmente, somente uma papa especial, e em breve apenas com sonda seria alimentado, até deixar de comer de vez.
Abraçou-o e ele, falando a custo, mais uma vez gabou a qualidade do serviço onde estava internado. Apenas se queixou do burburinho quando da entrada de um doente terminal no quarto ao lado, na noite anterior, mas depois foi o silêncio…
Já sabia pelo médico assistente que hoje em dia os pacientes com câncer já não sentem aquelas dores horrorosas de que se padecia antigamente, os medicamentos evoluíram muito e fosse com morfina ou com outros, o que se certificava era que quando chegasse a hora os enfermos tivessem uma morte relativamente tranquila. Mas ninguém quer partir de livre vontade e ele também não queria que o pai morresse, de jeito nenhum… Já bem bastava ter perdido a mãe há uns anos, e a esposa há dez meses atrás.
Foi à procura do médico assistente, seu conhecido, que lhe confirmou as piores suspeitas: mais uma vez lhe transmitiu que pouco tempo de vida restava ao pai, por isso deveria alertar a família.
Mário sentou-se pesadamente numa cadeira do corredor, apertando a cabeça entre as mãos com desespero. E agora, o que seria dele? Com a família cada vez mais reduzida, sentia-se isolado no mundo.
Foi ao quarto do pai, que dormia pacificamente.
Sentou-se no cadeirão onde o progenitor tomava as refeições normais antes de ficar impossibilitado de o fazer, e ficou a olhar para ele. Então chorou, quase silenciosamente.