No quintal da nossa casa
No quintal da nossa casa, a minha avó tinha um espaço para plantas e outro para flores.
Nunca compreendi a diferença de um e outro espaço até àquele dia em que a minha avó Adelaide me chamou com um sorriso:
-Vem, Tózito, vem ver a diferença entre as plantas e as flores. Chovia serenamente, como sempre chove quando os avós falam connosco. Assim foi naquele dia de Outubro em Alcobaça, Portugal.
A avó Adelaide dizia:
-As flores crescem leves e abrigam amigos como os passarinhos, minhocas, ratos e gaviões, bichos oportunistas e de difícil armadilha.
Continuava:
-As flores dormem repousadas à noite e despontam durante o dia, vaidosas e exuberantes, pretendendo dar ar do que não são. Seguem o Sol e esquecem-no quando chega a Lua. São cor, são pétalas, revigorantes em perfumes, mas, infelizmente, duram pouco, muito pouco. Dão ar que são as donas do quintal.
Sim, percebi, desde a entrada da casa, do quintal, tectos e seus arredores, as flores, algumas daninhas, flor em cacho ou em ramo, variadíssimas cores e aromas, pretendem sempre dominar o quintal da avó Adelaide.
-Tózito, as plantas são diferentes. As plantas acordam sob a mesma chuva serena e doce e ajudam a levar a água às suas raízes com as suas folhas amplas e seguras. Todos os dias, com mais ou menos água, as plantas levam água às suas raízes.
-Sim, avó, vamos ser flores ou plantas? Foi essa a lição?
-Sim, foi essa a lição. Vá, vai brincar com os outros e deixa-me dar um jeito ao quintal.
-Até já, avó. Obrigado
Amanhã, noutro amanhecer que jamais acontecerá, vou ver o quintal da minha avó que é de todos, vou ver as minhas flores, as minhas folhas amplas e, se Deus ajudar, levar água às minhas raízes, as raízes da nossa vida.
Victor Amorim Guerra