Sem capação
Mal sextou, e já se fazia aquela moa de gente defronte a casa da Sãozinha, moradora intermitente na rua minha. E essa minha rua desde 1958, que nasceu como um beco-sem-saída, de terra-batida, é hoje travessa asfaltada, concorrida, com sua vintena de imóveis, residenciais em sua maioria.
Mas vamos à moa, que pude observar de relance: quase todo mundo, homens, mulheres rente ao alpendre, se estendendo muros afora, com um olhar que, se não chora, ao menos, atenção implora. E até um médico, lá vi entre eles, todo de branco, na cabeleira, inclusive, aparentemente tentando compor um número para se comunicar em seu celular. Silêncio generalizado, expressões aflitas, e, estranhamente, sem ruído dos cães que sei muitos, mais de vinte, que Sãozinha acolhe e mantém em seu quintal, aos fundos da casa, ela que é figura destacada no universo da proteção dos animais na cidade, e muito mais.
Pensei logo que um mal estar súbito poderia ter ocorrido à Conceição, morena sacudida, bela até quando se distraída, de seus cinquenta anos, no máximo, que alterna cuidados com a fazenda-sítio da família, a oito léguas de Pitangui, e essa sua casa na cidade, que se tornou um asilo canino, e nas horas vagas, e pagas, cabeleireira se faz... Ou quem sabe, algo pior ainda poderia ter ocorrido...ao seu dia-a-dia de todos conhecido...?
Mas não parei nem para saudar a turba, que além dos muitos enfileirados, tem agora automóveis , muitos, estacionados... E durante a volta que faço pelas ruas realimento meu pressentimento...
Até que na volta, quase duas horas depois, já não resisto, indago:
- Qual a razão dessa incomum concentração...?
E me vem solícita, agora explícita a explicação:
- Castração de cães e gatos...de graça