Levado
— Um dia cogitei tua chegada, quem dera se eu estivesse enganado.
Ao olhar em tua íris, vejo como ainda estás chafurdado na mesmice. Se música o fora, teu disco seria aquele empoeirado na prateleira, esquecido na penumbra solitária da relevância. Tua pele ainda cheira mal, como se rastejaste no lamaçal antes de pisar a cá; abriste aquela porta e o odor fétido incomodou-me na hora. É curioso sendo que fora uma cobra venenosa a vida toda, seria natural se tua pele fosse mais nova aparentemente. Pele falsa, entretanto, simbolizando tua moral construída em mentiras.
O compasso do tempo onde nossos olhos se cruzaram, tive uma reminiscência dos velhos tempos, das tuas falhas, das piadas, das traquinagens; não entendo como naquela época gargalhavam das anedotas terríveis proferidas por ti. Não és engraçado, sujeito, para mim, um palhaço triste. Toda tua energia emana desprezo; um mesquinho, mau-caráter, um indigno.
Vejamos só onde estais, olho apenas uma carcaça velha onde a tumba resplandecendo velhice, enquanto eu, senhor do degredo, permaneço deslumbrante. Se diferisse disso — mas não, estás sempre na ignomínia ideológica de outrora. Não engana ninguém com este discurso corriqueiro. Levante-se, velho maldito! Hora de se despedir dos camundongos deste barraco chamado lar. Um opalescente tão sonhado dia, eu disse que iria te levar daqui. A hora macabra chegou. Levarei tua carniça a qualquer canto da estrada, ninguém se importará contigo. Não te preocupe, tua alma será desfigurada nas mãos do senhor da morte.