Conto das terças-feiras – As aventuras de Camilo
Conto das terças-feiras – As aventuras de Camilo
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 8 de março de 2022
Todas as noites fazia serão em uma montadora de automóveis. Dizia que trabalhar à noite lhe rendia muito dinheiro, 40% a mais, sobre a hora normal. Sempre chegava em casa depois das 22 horas, corria para o banheiro. Só aparecia para a esposa depois de ter tomado banho e todo perfumado. Ela gostava desse procedimento do marido, que dizia ser por lidar com solventes e tintas à base de tolueno, acetato de butila, butanol, etanos etc. Tais compostos químicos deixavam o corpo do rapaz com cheiro insuportável, não queria que a cheirosa esposa ficasse em contato. Sem entender bulhufas de química, produto químico e solvente, a madame engolia a conversa de Camilo, e aceitava que ele voltasse para casa no horário que lhe fosse mais conveniente, por força do serviço.
Casados há dez anos, viviam felizes, tinham uma confortável casa, um carro popular e um sítio, perto de onde o pai morava, área rural distante uns 45 km da residência do feliz casal. Era a vida que Marília sempre desejara. Não tinham filhos, situação atribuída à mulher, por causa de sua infertilidade, o que não atrapalhava a convivência do casal, aos olhos da mulher. Ele, sentia falta de filhos, mas aceitava a condição por gostar muito da esposa. Assim, “eles viviam um para o outro”, era a frase mais pronunciada, sempre com meiguice, durante os carinhos trocados entre os dois.
Todos os sábados, sem faltar nenhum, o marido de Marília visitava os pais. Ia sozinho, a esposa não se dava bem com os sogros, principalmente com a sogra. Questão de ciúme materno, e também, porque a esposa de Camilo fora rejeitada pela família do rapaz, quando anunciou que se casaria com uma moça pobre, mas trabalhadora, segundo argumento do filho. Apelação que não convenceu aos seus genitores. Mesmo assim houve a festa de casamento, realizada na casa dos pais de Camilo. Uma festa simples, sem requinte, o que desagradou a agora esposa do moço. A partir desse dia, ela nunca mais falou com os sogros e demais membros da família. O casal jurou que isso não seria problema, pois teriam o amor um do outro. O tempo passou e assim, pelo menos para Marília, moça sem muitas ambições, só queira viver bem com o seu “Benzinho”, como ela chamava o esposo.
As únicas coisas que ainda atrapalhavam a vida da moça resumiam-se nas idas constantes à casa dos sogros e o trabalho noturno do marido. Já não contente com a vida de solidão, pela ausência do esposo na hora de dormir e aos sábados, resolveu contratar um detetive particular para tirar essas suspeitas a limpo. Ela desconfiava que havia outra mulher no meio do caminho deles, nem sexos eles faziam como antigamente. O marido estava sempre cansado, trabalhava muito, dizia sempre.
Depois de sete dias, Marília recebeu um relatório e uma cobrança, com o valor a ser depositado em um banco. Ao ler o relatório ficou sabendo que o marido tinha outras duas mulheres. Uma morava perto da fábrica onde ele trabalhava. Essa tinha uma filha de quatro anos de idade, e que ele a visitava todas as noites. A mãe era uma mulher de vinte e dois anos, que trabalhava fora e deixava sua filha em uma creche, paga pelo pai. A outra era amiga da família dos pais do rapaz, e morava próximo a eles. Fora obrigado pelos seus pais, a manter a relação com a jovem depois de ela reclamar que estava grávida, o que acontecera há seis anos. Assim, a desculpa de visitar os pais aos sábados era uma obrigação imposta, para que ele tivesse convivência com a filha, agora com mais de cinco anos de idade.
Impassível, Marília leu e releu aquele relatório, sem deixar cair uma lágrima sequer. Ao término, dobrou o papel dado pelo detetive particular, guardou-o em uma caixa de sapato onde ela depositava coisas sem importância, ou de pequeno valor. Na cabeça dela ficou um vazio, não tinha ânimo para nada, deitou-se em sua cama, seus pensamentos perambulavam sem julgamento, até dormir. Nem mesmo a roupa de uso diário ela tirou, para vestir a camisola. Não viu nem o marido chegar, às 23 horas. No outro dia, acordou depois das oito horas, sem servir o café da manhã. O esposo não se incomodou, apesar de ser a primeira vez.
Já na cozinha, sentou-se frente à mesa das refeições e relembrou o dia passado, a leitura do relatório do detetive. Com a cabeça mais descansada pôs a pensar sobre qual vida gostaria de ter de agora em diante. Tinha uma vida estável, não seria interessante brigar com o marido, também não exigiria nada dele, nem mesmo sobre os filhos que ela não fora capaz de dar-lhe. O melhor é deixar como estar, pois, as duas outras mulheres, tudo indicava, pensava o mesmo que ela. Estava salvo mais um casamento ou três relacionamentos sérios.