Conto das terças-feiras – O imprevisto
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE 1º de março de 2022
Priscila, adolescente radiante, só pensava na festa de seus quinze anos. Não com o glamour de uma festa grandiosa, mas, que, pelo menos, tivesse um belo bolo e pudesse aparecer às amigas, em um singelo vestido branco. Queria demonstrar que, apesar de pobre, a família faria tudo para lhe dar esse prazer. Também era a sonho de sua mãe, que já tivera boa situação financeira até o marido perder tudo, por desfalque, promovido pelo sócio, enfartar e vir a falecer poucos meses depois. Ela tinha apenas dez anos quando do infausto acontecimento.
De uma confortável casa em pacata rua, as duas tiveram que se mudar para uma pequena moradia, localizada no sopé de um morro. Mesmo assim a garota não perdera a alegria de viver e nem deixara de sonhar por sua festa de 15 anos. Os dias, meses e anos transcorriam lentamente, mas isso não desesperava Priscila. Ela se desdobrava entre a escola e mirabolantes ideias para juntar dinheiro. Recolhia plásticos e latinhas recicláveis, fazia doces para vender na porta de sua casa, pintava pano de prato, que oferecia de porta em porta, e o que arrecadava guardava em uma caixa de papelão, em cima do velho guarda-roupa, que ganhara de uma conhecida da mãe. Para o sustento das duas, a mãe da garota, dona Marcília, cozinhava para uma família, que morava um pouco distante delas.
A cumplicidade entre mãe e filha fazia com que todo esse esforço, realizado em benefício da tão sonhada festa de 15 anos, fosse empreendido com alegria e esperança. Não havia reclamação de cansaço, trocado por afagos e carinhos quando se reuniam para contar as moedinhas e cédulas auferidas. A alegria se espalhava toda vez que alcançavam o montante estipulado para ser alcançado na semana. Sempre atingiam o valor programado. Quando isso não acontecia, a incansável mãe, retirava de seu ganho como cozinheira o valor faltante, colocando na caixa sem o conhecimento da filha. Era assim que as duas caminhavam para a realização de um sonho tão desejado, com amor, compreensão e carinho. Acontecimento que não seria as amigas entrando ordeiramente portando velas acesas, trajando vestidos longos, e amigos carregando flores. Apenas uma festa simples, a aniversariante acompanhada de três ou quatro das melhores amigas da escola, sem príncipe, e sua mãe, a verdadeira merecedora daquela festa.
A antevéspera do dia tão sonhado por Priscila chegou. Eufórica, acordou cedo, precisava colocar no papel as providências a serem tomadas até à noite da festa. Mandar fazer o bolo, alugar um vestido branco e comprido, combinar com as amigas como as coisas iriam acontecer, limpar o local onde seria realizado o aniversário, a sua casa, pequena, mas, retirando os móveis que estavam ali colocados tudo daria certo. Fazia um belo sol, pouco vento, nada de sinal de chuva. Nem mesmo a meteorologia tinha prognóstico para a mudança da situação vigente.
Sua mãe trabalhando, era um sábado, a garota e mais três amigas ficaram encarregadas de executarem as tarefas elencadas no caderninho de notas, na noite anterior. Priscila saiu para se encontrar com as amigas. Além destas, ela passaria na residência de alguns amigos e amigas do bairro, para lembrar da festa que aconteceria no outro dia. Tudo corria tranquilo, a garota transbordando de alegria, sua felicidade só não estava completa, pela falta do pai. De repente o céu começou a escurecer, ela olhou para cima e exclamou:
— Meu Deus, espero que seja uma nuvem passageira! Vamos apressar nossa volta para casa, para que a chuva não nos pegue.
Uma das amigas, mais sensata, refutou:
— Essa chuva não vai cair por aqui, o vento está carregando-a para o mar.
Mesmo assim, as garotas apressaram os passos, tinham ainda muito o que fazer. A chuva caiu de repente, uma chuva forte que as impediu de prosseguirem. Foram obrigadas a se abrigarem em um bar, que tinha uma calçada muito alta em relação ao asfalto. A chuva tornou-se torrencial e a rua começou a receber galhos de plantas, muito lixo, colchões, cadeiras de plástico e todo o tipo de móveis rolavam ladeira abaixo. A população entrava em pânico, até veículos desgovernados passavam por ali, nada escapava da enxurrada.
Passado o temporal, conseguiram chegar à rua de Priscila, nada mais existia, apenas uma massa desuniforme de areia misturada com pedras e troncos de árvores. Nem sinal da caixa onde a aniversariante guardava o dinheiro, conseguido com tanto esforço. Sua mãe logo apareceu, chorando disse para a filha que ela ainda teria seu aniversário depois que tudo tivesse acomodado. Estavam felizes porque estavam vivas e proclamou: graças a Deus!