A MENINA QUE TINHA TUDO

Val Geniale, menina na flor da idade, de vida inteira ainda pra viver, de pele cor de bronze, sorriso largo e saúde admirável. Além de todas essas qualidades possuía muito dinheiro, uma grande família composta por seus pais, muitos irmãos, tios, avós e primos que a amavam e viviam reunidos a sua volta. Em casa, sua família vivia festejando. Comemoravam todos aniversários dos parentes, constantemente viajavam e registravam todos os momentos com a alegria “dos que podem”. Toda semana era churrascos e festas, piscinas e músicas. A fartura de bens tinha a mesma intensidade e valor da fartura de abraços, dos beijos e demonstrações de bem querer. Val era muito amada, mimada e respeitada. A menina que toda menina queria ser.

Na escola sempre se destacava pela inteligência, por participar de todas as atividades sendo conhecida como a “queridinha” dos professores e a aluna mais popular de todos os tempos. Na igreja fazia as leituras dos textos religiosos com muita desenvoltura e eloquência e era a voz principal no coral regido pela própria mãe. Vivia rodeada de amigas e assediada pelos meninos. Só se relacionava com os mais bonitos e endinheirados, mas não se apegava porque não se permitia perder o foco no que realmente importava: ser a melhor em tudo que pudesse ser. Era membro do Conselho Escolar e titulada como presidenta do Grêmio Estudantil. Quando chamava os amigos para o que quer que fosse era como convocação: todos compareciam. Sua influência sobre todos era surpreendente. Tinha tudo o que quisesse pedindo aos seus pais, conseguia o que queria na escola convencendo aos professores de que seria bom, seduzia o menino que queria com um simples olhar e tudo o que dizia ou mandasse era imediatamente obedecida pelas amigas. A menina que tinha tudo era a menina que toda menina queria ser e que todo menino queria ter.

Era o amor dos pais, o orgulho dos professores, o respeito da comunidade, o exemplo da fiel religiosa. A filha que todo mundo queria, mas existia um quê que transformava Val: Mariana.

Mariana era menina pobre, criada sem pai, sem luxos, bolsista na mesma escola que Val frequentava. Não tinha a inteligência de Val nem os mimos que lhe eram oferecidos, não fazia parte do Grêmio, nem do Conselho. Para a igreja também não ia. Sua família se resumia em mãe, avó e um cachorrinho vira-lata chamado de Menino. O que Mariana tinha de sobra era beleza e simpatia e isso a tornava mais afortunada do que Val, porque era admirada e querida pela sua simplicidade e delicadeza. Uma era querida pelo o que tinha, a outra pelo que era. Mariana era a luz que trazia à tona quem Val na verdade era: era humana, chorava e xingava, tinha defeitos, pois a menina que tinha tudo também tinha medo de perder seus postos e deixar de ser quem era, tinha tristeza por não ser mais bela e tinha raiva por Mariana existir.