Conto das terças-feiras – Chorar ou não chorar, eis a questão

Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE 22 de fevereiro de 2022

João Banguela, vocês já sabem o porquê do sobrenome, era um sujeito que se dizia valente. Quando bêbado, depois de um dia todo de manguaça, da branquinha e da boa, como gostava de proclamar, chamava todo mundo para brigar, era só olhar para ele. Forte, mais entroncado, andava sempre de bermuda e camiseta regata, mostrando os fortes músculos da perna e do peitoral. Muitos realmente tinham medo dele e era difícil alguém encará-lo. Uns porque o temiam, outros porque eram de paz, não gostavam de confusão. Assim, ele levava a vida entre amigos de cachaça e outras pessoas, as quais chamava de patrão, por prestar, mediante módico pagamento, pequenos serviços. Era o que se chama hoje o “faz tudo”.

O corpo atlético adquiriu fazendo exercícios no quintal de sua casa. Como tinha apenas 1m54, de altura queria ser forte, preparou alguns aparelhos usando barras de ferro, cabos de vassouras e latas velhas. Para o levantamento de peso juntou duas latas médias de leite em pó, uma barra de ferro, encheu-as de cimento e fixou-a nas duas latas. Foi assim que moldou seu físico. Não cresceu, mas tornou-se forte.

Tinha hábito de dizer que não era homem de levar desaforo para casa e muito menos chorar. Realmente, nenhum citadino ouvira dizer que já presenciara João Banguela chorar. Circulava um boato que o protético local, ao arrancar-lhe quatro dentes de uma só vez, o fez chorar por um dia inteiro. Vem daí o medo de cadeira de quem tivesse conhecimento prático de odontologia, sem formação. Depois dessa, nunca mais se habilitou a consertar sua arcada dentária, preferia morrer a se submeter a abrir sua boca para um profissional atuante na área, mesmo com formação acadêmica.

Em seus encontros no Bar da Esquina do Mel, João Banguela só contava vantagem, bastava passar uma mulher no outro lado da rua que, desconfiado, olhava para os presentes para saber se tinha algum parente da vítima que iria receber seus maldosos comentários. Com todas elas o bebum dizia já ter saído, já ter corneado o marido, nenhuma escapava. Ficava até o bar fechar quando, segurando pelas paredes, voltava para casa. Os cachorros que perambulavam pelas ruas da cidade faziam seu retorno mais seguro. Ao chegar em casa eram pagos com resto de comida, água e alguma porção de osso de sopa velha. Era assim a vida que aquele homem levava. Não fazia mal a ninguém, a não ser com sua boca maldita, era uma peça folclórica daquela cidade esquecida no mapa. Sua mulher já não ligava para ele, embora o deixasse permanecer morando na mesma casa. Moravam afastados, muitos não sabiam da vida dela; discreta e trabalhadora, diziam!

Naquela noite, o Bar da Esquina do Mel, estava lotado, já não havia mesa no lugar preferido por Banguela. O coitado foi obrigado a usar a que ficava bem na curva da esquina, com vista para as calçadas de duas ruas convergentes. Justamente a que ele não gostava. Logo os amigos foram chegando e dirigiam-se para a única mesa com lugares ainda disponíveis, mandaram até colocar mais cadeiras ao redor dessa mesa, muitos gostavam de ouvir as histórias contadas por João Banguela.

Até aquela hora o homem não tinha colocado um gole de cachaça na boca, embora uma garrafa da boa e um copo já estivesse à sua frente. Cabisbaixo respondia aos acenos de quem ia chegando, com um simples balançar de cabeça. Parecia que estava com premonição de que aquela noite não seria nada boa para ele. Os amigos de bebedeira estavam achando estranho aquele comportamento. Tentavam animá-lo, mas ele quase não levantava a cabeça. Estava sóbrio, mas sua concentração não estava ali. Como uma borboleta, seu pensamento pousava em diferentes ocasiões de sua vida. Uma retrospectiva que não lhe agradava, viu sua infância, vislumbrou o seu casamento, - ela não era feia, uma boa dona de casa, eram felizes, aí questionou-se:

— O que estou fazendo da minha vida? O que faço aqui? - sem resposta.

Levantou-se bem devagar, olhou para todos ali presentes e falou:

— Amigos, estou indo para casa, boa noite!

Espantados todos olharam incrédulo para aquela figura pequena e, de certo modo, agradável. Ninguém disse nada, só o acompanharam com os olhos até ele dobrar a esquina. Nesse momento passou um carro com uma mulher ao lado do motorista. O reconhecimento foi fácil, ele não estava bêbado. Continuou o seu caminhar vagaroso, com destino ignorado. Daquele dia em diante nunca mais se ouviu falar do João Banguela. Sua mulher o procurou, a polícia também, e nada. A cidade entristeceu-se, o Bar da Esquina do Mel fechou as portas, o mistério continua.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 22/02/2022
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