ASTRONAUTA
ALBERTO VASCONCELOS
A contagem regressiva durou vários meses. Finalmente, 30 minutos antes do lançamento o coronel aviador Otoniel foi colocado na cápsula de comando. Uma capsula ovoide com um metro de diâmetro na parte mais larga, de onde partiam todos os controles para a direção e velocidade quando, só e sem auxiliares, ele pudesse voltar à superfície da Terra. Diante dos seus olhos a escotilha protegida pelo escudo de tungstênio que seria descartado quando chegasse ao espaço, sem peso, sem atrito e sem som... 3, 2, 1, zero... a ignição do combustível fez o gigante da altura de prédio de trinta andares estremecer. Soltaram-se as amarras e o foguete despregou-se do chão com ruído ensurdecedor e velocidade cada vez maior à medida em que os estágios iam sendo abandonados sobre a coluna de fumaça branca. Quase oito quilômetros por segundo até atingir a órbita programada para quarenta quilômetros dentro da ionosfera. Sessenta e duas voltas ao redor do planeta que gerariam três mil e seiscentos minutos de imagens dos cinco continentes, em alta definição, transmitidas em tempo real devidamente codificadas numa faixa de rádio frequência até então desconhecida de Otoniel e cujo objetivo era segredo absoluto assim como os nomes das pessoas de onde partira a ordem para a sua execução. Agora, flutuando no vazio, dava para ver através da escotilha a maravilhosa imagem azul da Terra, destacada do manto negro pontilhado de miríades de luzes brancas, amareladas, azuis geradas em locais que se mediam em anos luz de distância.
No momento programado, a câmera começou a filmagem imediatamente codificada e enviada para o centro de controle. O autofalante informou que estava na hora do primeiro lanche que seria comido com o envoltório após a injeção de líquido nutritivo e aromatizante. Ao completar a trigésima primeira volta veio a ordem para dormir. Capacete recolocado, a fim de evitar alguma surpresa desagradável.
ARISTEU FATAL
O sonho estava se realizando. Otoniel nascera em uma pequena cidade de Minas Gerais. Cambuí. Filho de camponeses, de uma família feliz composta pelos pais e dois irmãos, ele sendo o mais velho, os outros, uma menina e um menino. Estudou na escola rural mais ou menos perto da fazenda onde seu pai era o capataz. Seu maior prazer era, nas noites estreladas, ficar horas e horas olhando o céu, tão baixo, que parecia poder ser alcançado com as mãos. Tinha verdadeira paixão em ver aquele espetáculo! Conhecia a localização das constelações, do cruzeiro do Sul, das três marias, e outros asteroides. Ficara com inveja quando nosso hoje ministro da Ciência e Tecnologia Marcos Pontes foi o primeiro brasileiro a fazer uma viagem espacial. Ao terminar o curso primário, fez o ginasial e o colegial em Cambuí. Sempre com notas excelentes, pois era muito estudioso, foi para São José dos Campos, em São Paulo, prestar vestibular no Instituto Tecnológico da Aeronáutica-ITA, a fim de realizar seu maior sonho, de se tornar engenheiro aeronáutico. Como era de se esperar, foi aprovado. Durante todo o curso foi um aluno brilhante, sempre o melhor aluno da classe, e ao final, ganhou como prêmio um estágio na NASA, no estado americano da Flórida, maior centro espacial do mundo. Voltando ao Brasil, fez carreira militar na Aeronáutica, na escola de cadetes em Itapetininga, interior de São Paulo, galgando todas as patentes, chegando a Coronel Aviador. O Ministério Brasileiro da Defesa brasileiro, há tempos vinha planejando uma viagem espacial, para determinados estudos, tudo sob o mais rigoroso sigilo quanto a finalidade. Com o planejamento finalizado, iniciou-se uma verdadeira caça a quem poderia participar da viagem. Uma escolha muito difícil, pois se tratava de achar alguém muito capacitado, com um conhecimento muito grande da tecnologia para dirigir o equipamento, pois seria o único tripulante, sem qualquer auxiliar. Após exaustivas análises, inclusive exames, antecedentes, curriculum, três foram escolhidos. Somente seria necessário um exame psicotécnico, entre os candidatos e nessa situação, somadas todas as qualidades dos três, a escolha recaiu sobre o Coronel Aviador Otoniel.
CLÉA MAGNANI
Otoniel, agora Coronel Aviador, havia sonhado com tudo aquilo, mas na verdade, tinha plena consciência da necessidade do preparo muito especial para dirigir um voo para o espaço, ainda mais sozinho. Na verdade, nunca esperou chegar àquela condição. Mas ao ser escolhido, sentiu-se como Yuri Gagarin. Era um desafio! Yuri, o primeiro ser humano a viajar pelo Espaço. Em 1961, foi o pioneiro. Era ir ou ser tachado de traidor da pátria e de covarde. O Astronauta soviético era muito jovem... tinha uma vida inteira pela frente, sonhos, projetos de vida... não sabia se voltaria, e quase não voltou mesmo, devido a uma pequena falha na velocidade que desviou a órbita em alguns graus, o que poderia tê-lo feito um satélite da Terra para sempre, e ele nem poderia fazer nada, pois o voo era totalmente comandado pela Terra. No seu caso, Otoniel contava com dezenas de anos de evolução da Ciência Espacial, com aparelhos mais precisos, com toda a tecnologia, com seus estudos ... seria “só mais um voo”... ele tentava pensar..., mas de repente o sorriso de sua filhinha Letícia iluminou o seu espaço dentro do Espaço Infinito enquanto ele se preparava para adormecer, como era previsto. Lançou um último olhar pela escotilha e viu a Terra. E lá, naquele ponto azul “dependurado” pela gravidade estava a sua família, a razão de toda a sua vida. Se ele não voltasse, o que seria de Leticia? Ele teria o direito de, em nome de uma ciência que buscava mais conhecimentos secretos, do que ações para amenizar as necessidades de bilhões de seres, arriscar assim a sua vida? Naquele seu período de sono, Otoniel não dormiu como deveria...terminou seu período no Espaço realizando todas as suas funções com maestria. A volta à Terra ocorreu perfeita e a missão foi considerada um ÊXITO TOTAL! Dias depois dos procedimentos de praxe quando da volta à atmosfera terrestre, O Coronel Otoniel foi chamado para receber as ordens sobre o novo voo planejado para o ano seguinte, e que deveria ter uma preparação mais meticulosa. Toda a NASA estava muito satisfeita com sua conduta e precisão durante o primeiro voo solitário. Ele seria condecorado e subiria de patente pela sua segurança e conhecimentos. Ao receber as homenagens, Otoniel agradeceu e pediu a palavra. Num breve discurso, agradeceu a todos pela confiança, e pela oportunidade de realizar seu sonho de navegar pela órbita terrestre, e pediu baixa do programa Espacial dizendo:
- A família que Deus me deu para cuidar aqui na Terra, não pode correr o risco de me perder, em nome de um conhecimento. No momento sou responsável por minhas amadas esposa e filhinha. É preciso estar aqui perto para cuidar delas. Muito obrigado e boa noite!