A Saga de Godofredo VI – O Plano e Mira

18.02.22

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Godofredo, agora Hassan, avaliava tudo o que lhe acontecia.

-Estou em coma profundo em uma cama de hospital, vagando pela minha memória primordial, voltando no tempo até a origem da minha linhagem paterna. Minha consciência é travestida em um ser hilário. É um sonho com certeza, de realismo fantástico. É interessante estar nesse estado de levitação mental, mas até onde irei? – ponderou prostrado.

-Hassan, Nabi acabou de chegar – lhe fala Halim acordando-o do torpor em que se encontrava.

Viu Nabi entrando na tenda com o seu andar tranquilo e pesado em sua túnica bege, como um saco de batatas. Era quase meio dia e o sol escancarado iluminava toda a costa e a praia em que estavam acampados. Estava muito quente, como é aquela região, tórrida.

-Então, como foi com Saladino? - perguntou-lhe Hassan.

-Melhor que esperávamos. Deu-nos um dia a mais e nos convidou para o jantar de despedida das tropas depois de amanhã. Amanhã cedo virá o seu prático para conduzir nosso barco até suas naus capitânias.

-Entendo. Então temos ainda parte do dia de hoje para planejar nossas ações. Estivemos cedo no local em que estão as embarcações de Saladino e temos algumas situações favoráveis. Habu e Hanu fizeram um minucioso e detalhado levantamento das condições geográficas do local neste mapa. Temos todas as informações para definirmos como executaremos nosso plano – ponderou Hassan, abrindo o mapa no tapete estendido sobre o piso em areia da tenda.

-Certo. Então como agiremos? – questionou Nabi ansioso.

- A vinda do prático nos ajudará. Vamos dividir as cargas em cinco lotes, sendo a de Saladino com dois tonéis de alcatrão, o que já estamos fazendo – disse apontando para o grande movimento no convés do seu navio, visto de onde estavam acampados. Seguiu Hassan detalhando o plano.

-Assim, ao levarmos a carga dividida junto com o prático, iremos orientá-lo para que aporte primeiro na nau principal, ancorada no porto. Os demais navios estão mais abaixo, e lado a lado, o que facilitará a nossa empreitada, pois passaremos os tonéis de um para o ouro. Seremos nós que faremos o desembarque e transporte com os assasin, correto?

-Certo. E depois de estocados os barris nos navios, qual será a sequência? – perguntou Nabi.

-Halim retornará com a nossa nau ao local em que estava aportada incialmente, para não despertar suspeitas. Quatro dos melhores arqueiros ficarão junto com Abbud, o segundo homem de Halim em comando, estrategicamente posicionados no ancoradouro inimigo para lançarem flechas acesas em cada um dos quatro navios. Abbud ficará encarregado da nau de Saladino. Imediatamente após a ação, fugirão cada um separadamente a cavalo pelas dunas até Tunes, nos aguardando lá. Seguirão rotas diferentes para não serem capturados. Caso sejam, tomarão cicuta, em frasco que levam para esse fim. Preferem se suicidar a serem detidos. Toda a ação ocorrerá no meio da madrugada da noite do jantar, quando a guarnição e a tropa inimiga estarão embebedadas. Haverá sentinelas nas embarcações, que ao iniciar o incêndio, deverão correr para avisar seus comandantes. Teremos que silenciá-los antes, os assasin o farão, é sua especialidade.

-Perfeito. Estaremos no jantar toda a noite e madrugada enquanto se desenvolve a ação, para não suspeitarem de nós. Será o nosso álibi. – disse Nabi, compreendendo o plano.

-Sim. Ficaremos no evento até o final. E alguns dias ancorados. Quando a situação se acalmar, partiremos para Tunes, dizendo ir ao encontro de Amud para levarmos uma carga de sal ao Líbano. Já está combinado com ele. Esse será o nosso maior risco, pois seremos os primeiros suspeitos– completou Hassan.

-Ocorrida a ação com sucesso, enviaremos um pombo mensageiro até Amud que despachará navio para Malta, informando aos nossos comandantes. É esse o nosso plano – finalizou.

-E se falharmos, o que faremos? Temos algum plano alternativo? – pergunta Nabi.

-Não temos! Mas se nossa ação não for plena de sucesso, teremos que pensar em outra solução para atrasar a partida da frota de Saladino – falou Hassan.

Enquanto debatiam na tenda as ações, entra Abbud e diz:

-Temos visitas, meu Senhor.

Eles saem da tenda e vêm descendo de um belo cavalo árabe branco como neve, Saladino em sua armadura de chefe. Junto, em cavalo negro, sua filha o acompanhava. Visita inesperada.

Hassan vendo a bela figura feminina de negros cabelos soltos e lisos, com uma tiara em diamantes reluzentes e envolta em fina túnica negra transparente, sussurra a Nabi:

-Quem é ela?

-A filha de Saladino. Esqueci de avisar.

-Que Alá esteja convosco! – cumprimenta Saladino com sua voz de comandante.

Nabi imediatamente se dirige ao cavalo de Saladino e segurando uma das rédeas, responde com enorme mesura e subserviência:

-Que Alá esteja convosco também, ó grande Senhor e Chefe Saladino. A que se deve sua nobre visita ao nosso humilde acampamento?

-Vim com a minha filha, princesa Mira, ver como estão acomodados os nossos irmãos fornecedores de azeite. Cavalgávamos pela redondeza e sabendo da sua localização, resolvemos vir até aqui.

-Devem ter seus espiões também. Temos que ter muita cautela – sussurrou Halim a Hassan.

-Sejam muito bem-vindos. Apresento-lhes Hassan, o meu companheiro mercador; capitão Halim, comandante de nossa nau e Abbud, seu contramestre – fala Nabi indicando cada um dos nomeados, que fizeram mesuras.

Saladino mudo observou o entorno da tenda; o navio ancorado ao largo; a frenética atividade nele e as demais condições do local, fazendo o reconhecimento da situação. Observou também os dois sentinelas, agora sem as túnicas dos assasin, ao lado da entrada da tenda. Por precaução, todos os membros da seita estavam com túnicas comuns. Fizeram a troca antes de aportar. A medida foi providencial, pois Saladino, como grande general e exímio lutador, conhecia muito bem esses homens, possuía inclusive uma guarda completa deles em seu palácio. A princesa permanecia na sela, aguardando alguém que a descesse.

Nabi olhou para Hassan e com um olhar indicou que fosse ajudá-la. Hassan entendeu e disse a Saladino:

-Meu nobre Senhor, peço-lhe humildemente para ajudar a descer a princesa Mira do seu cavalo.

-Claro!

Hassan caminhou em direção a ela vendo seus lindos dentes brancos em sorriso de agradecimento. Segurou uma das rédeas do corcel negro, estendeu o outro braço pegando-lhe a cintura fina. Ela deslizou suavemente próximo ao corpo dele como uma serpente, tocando-o. Estavam juntos. Ele sentiu o frescor de sua pele e o cheiro almiscarado do seu perfume que lhe embevecia. Um frêmito percorreu-lhe o corpo.

-Obrigado – disse ela mansamente como um felino, quase lhe tocando a boca, impedida somente pelo véu. Ficaram assim, por alguns segundos, de corpos e rostos colados. Hassan virou o rosto para não causar constrangimento ao pai. Ela, demonstrava estar gostando e sorriu-lhe sedutoramente enquanto caminhavam em direção ao grupo. Saladino acompanhava a cena com interesse e surpresa. Hassan olhou para Nabi, que lhe retribuiu o olhar, apreensivo.

-Cuidado com ela. Está aqui para uma missão histórica e mulheres sempre causam problemas, ainda mais a filha de Saladino. Sou a sua Consciência, não se esqueça – ouve Nabi lhe dizendo em sua mente.

Halim, percebendo o perigo de entrarem na tenda em que discutiam as ações com o mapa estendido sobre o tapete, olhou para Abbud, indicando-lhe com o olhar que voltasse para dentro da barraca e escondesse tudo o que havia sobre o plano. Abbud acenou levemente com a cabeça e como estava bem à entrada, virou-se ágil, entrou na barraca e recolheu todo o material. Voltou e confirmou a ação com um olhar para Halim. Hassan, mesmo embebecido pela beleza da princesa, acompanhou o ocorrido. Nabi entretia o grande General com sua conversa sobre o Líbano, país que Saladino muito apreciava. O grande chefe sarraceno nada percebera.

-Será que os nossos nobres irmãos comerciantes não oferecem uma bebida para matar a nossa sede? – questionou Saladino.

-Mas claro, meu grande Senhor, acabamos de fazer um chá de hortelã. Por favor, vamos entrar em nossa humilde tenda. Espero que goste, meu grande Chefe – respondeu Nabi.

-É o meu preferido.

Entraram na tenda para beberem o chá, que coincidentemente, e por sorte, tinha sido feito instantes atrás. Mira não tirava seus lindos olhos negros de Hassan. Sentiu que havia acontecido algo entre eles. Ficou perturbado, mas lisonjeado. Sua empolgação aumentava.

Nota do Autor:

É uma obra de ficção e qualquer semelhança é mera coincidência

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 17/02/2022
Reeditado em 17/02/2022
Código do texto: T7454697
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