Conto das terças-feiras – Seu Zé do Coco
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE 15 de fevereiro de 2022
Era um pessoal muito espirituoso. Vivia alegremente, mesmo sem televisão, sem celular, sem rádio. O único que escutava notícias de fora da insignificante comunidade era o seu Pedrosa, dono da pequena padaria local, por sinal considerado o homem mais rico da localidade. Não era tratado como rico, mas todos achavam que ele tinha muito dinheiro, embora não soubessem o que isso representaria em valor. A casa maior da redondeza, três a quatro vacas, de onde tirava o leite para fabricar os bolos que vendia, em fatias, para os moradores, o pão que sovava, muitas vezes distribuído de graça para os mais pobres, uma velha caminhonete usada para comprar mantimentos na cidade próxima, eram sua riqueza aparente.
Todos os habitantes dessa pequena localidade eram conhecidos por seus apelidos, dados geralmente, pela filiação, aparência, defeito físico, modo de andar, falar, sorrir etc. Quando alguém não tinha um, para não se sentir discriminado se auto apelidava. Era fácil encontrar Zé da Maria, da Corina, do Rivaldo. Pelos defeitos tinha o Zé Perneta (puxava por uma perna ao andar), Maneta (falta de uma mão), o Boca Rachada (labiovelar) etc.
Pouca atividade laboral acontecia ali, apenas serviços de pedreiro, carpinteiro, trabalhador de roça, carvoeiro, muito requisitado, ninguém tinha fogão a gás, só à lenha. Alguns trabalhavam por meação, em plantios e colheitas de milho, feijão, mandioca, quando o tempo favorecia proporcionando boas safras. Eram realmente pobres os moradores daquele padecido lugarejo, mas esbanjavam felicidade. Tudo era motivo de festejo, sempre ao pé de uma fogueira.
Um dos personagens mais interessante do lugar tinha o nome de José Mariano Moreira, mas ninguém o conhecia por esse nome, era o Zé do Coco. Só mesmo sua mulher, uma idosa senhora que pouco saía de casa, o contrário de Zé do Coco, que vivia perambulando pelas vizinhanças, em busca de quem precisava de seus serviços. Subir nos altos coqueiros, tirar os cocos maduros, sem deixar cai um só. Era uma árdua tarefa, mas não tinha ninguém na redondeza que tivesse a perfeição para executá-la, sem prejuízo para o dono do coqueiral, e dele, é claro, porque trabalhava por meação!
Zé do Coco trabalhava com alegria. Cantava, dava altas e longas gargalhadas quando trepado no alto do coqueiro. Desde adolescente, ensinamento de seu pai, realizava essa façanha. Agora, com mais de sessenta anos, a alegria era a mesma, mas a disposição e a força já não eram as mesmas. As crianças sempre ficavam a olhá-lo, esperando que caísse algum coco, para fazerem a festa, tomar o restinho de água do coco quebrado, bem como se deliciarem com a carne do coco, tão saborosa. Era uma preocupação para o idoso senhor, o medo que algum coco caísse na cabeça de um deles e fizesse um estrago danado. Apesar dos gritos de Zé do Coco, a criançada não se afastava do coqueiro. Quando caia um, todos corriam para apanhá-lo.
Era nessa ocasião que ele ficava apreensívo. Subia no coqueiro sem proteção alguma, apenas carregava seu instrumento de trabalho, um saco de aniagem e uma corda comprida, para abaixar o saco cheio de coco, até o chão. Os meninos ficavam torcendo para que o saco rasgasse e o seu conteúdo caísse, espalhando coco para todos os lados. Era sempre uma festa quando algum fruto despencava lá de cima, imagine todos de só uma vez.
Na manhã de sexta-feira, dia de feira, o homem acordou cedo, levantou-se, tomou café e iniciou sua peregrinação aos sítios demarcados onde iria executar sua tarefa. Com a devida autorização de seus proprietários, entrou na propriedade, olhou para os coqueiros que mostravam uma quantidade maior de cocos a serem tirados. Na cintura, um pequeno facão, uma corda comprida e um saco. A subida foi fácil, como dantes. Terminado o serviço, era hora de abaixar o saco, abarrotado de cocos grandes e pesados, e partir para outro coqueiro. Cuidadosamente ele foi soltando a corda, mas não aguentou o peso. De um puxão só, a corda se soltou da mão do velho trabalhador, enrolou-se na perna do cidadão, e foi ao chão, voando coco para todas as direções. Algumas crianças foram atingidas, mas sem maiores consequências. Na avidez de pegar pelo menos um coco, os meninos não notaram que Zé do Coco encontrava-se estendido no chão, rente ao tronco da árvore que sempre lhe dera o sustento. O resultado foi a mão direita com dois dedos menos, uma perna fraturada e nunca mais poder subir em qualquer árvore, principalmente coqueiro. E, ainda, uma cidade bastante comovida com o acontecido!