Sessenta e Cinco
Sessenta e cinco é um número; que assim é escrito na notação matemática: 65.
É um número como outro número qualquer, mas que hoje em dia traz alguns significados imediatos na vida social. Como é, por exemplo, ao se atingir essa idade de vida. E como é, neste caso, a situação de um amigo nosso. Ao se completar sessenta e cinco anos há, para a pessoa “atingida” pela marca, algumas garantias legais que são asseguradas no Estatuto do Idoso, como a gratuidade do transporte público e algumas outras no campo da saúde, da habitação, do lazer e algumas outras mais ou menos nesse viés. E algumas já ocorriam a partir dos sessenta anos, mas a marca dos sessenta e cinco dirime em definitivo a dúvida dos benefícios de quem já era “idoso júnior”, digamos assim.
Pois o nosso amigo completou sessenta e cinco anos de idade há dias atrás. Resolveu pensar sobre o significado de um evento que é representado por um momento apenas em um dia específico, mas que, enfim, haveria de trazer algumas consequências de cunho absolutamente prático. Logo tratou de se informar com amigos já experimentados nesta fase da vida para saber as vantagens do momento. E isso foi bem fácil, diga-se. Também, não há grandes coisas assim para fazer uma diferença tão relevante.
O exercício do pensar, no entanto, foi além, como já estava previamente destinado e intuído mas não explicitado racionalmente. Viu-se forçado a refletir sobre a finitude da vida. Pela primeira vez de forma séria na sua mente. Permitiu-se pensar que a sua vida estava mais próxima do fim do que quando iniciara em mil novecentos e cinquenta e sete. Sim, sentiu o momento de pensar sobre a coisa mais natural que sempre soube que se impõe sobre nós: a morte.
Nunca teve problema com esse tema. É certo e inexorável, sempre teve a consciência. Mas parar para pensar isso como uma coisa mais próxima, foi a primeira vez que sentiu.
Não, não!, não que achasse fosse morrer proximamente, não tinha elementos para pensar isso. Pelo contrário. Antes era entender como poderia ser dado esse “sprint” de uma hipotética corrida. Via-se percorrendo a última grande curva que antecede a reta final. Porém, não haveria de ter contendores. Não há sentido em competir com alguém nessa corrida. Mais um motivo para ter pensado no passado figuradamente longínquo, quando o esporte ainda não havia sido aviltado pela exploração comercial.
E uma certa disputa dialética assomou o seu consciente. Por exemplo, não seria absurdo considerar que teria uma vida produtiva por mais quinze anos. Uma simples observação no seu entorno social lhe avaliza o prognóstico. Apesar da imagem de estar contornando a grande curva, havia ainda uma distância considerável em termos absolutos.
No processo da sua divagação procurou lembrar quando, há cinquenta anos, tinha quinze de idade. Perguntou-se se, naquele momento, conseguia vislumbrar a sua vida aos trinta anos, ou seja, dali a outros quinze. Obviamente que não, certificou-se, e há várias razões para não haver nenhum problema com isso. E, num rápido retrospecto, levantou mentalmente que, dos quinze aos trinta, terminou o ginásio, o científico, entrou na faculdade, formou-se e arrumou um emprego em seguida. Casou, teve filhos, mudou de cidade e divorciou-se, pronto a recomeçar a vida.
Nossa!, apesar de ser um acréscimo de 100% da vida no ponto de partida, era o mesmo tempo que ele admitia, para o raciocínio, de ter uma vida que ele mesmo chamou de “produtiva”. Isso significava que, se ele quisesse e tivesse a energia condizente com a dita vida produtiva, ele, a partir de agora, poderia fazer outra graduação, buscar outra atividade profissional e até começar um novo relacionamento sentimental duradouro ou, mesmo, constituir outra família. “Muito louco, né, velho?”, pensava enquanto acendia um puro (charuto cubano no linguajar de pessoas da sua faixa na existência).
É nessa reflexão que nasce o sentido da vida por vir. Para ele parecia claro que não seguiria de novo esse “script”, mas o raciocínio lhe trouxe fecundas reflexões sobre analogias assimétricas com o momento atual, esse, do sessenta e cinco, que tanta provocação tratou de entregar. Em vez dos trinta anos, tão longínquos para o adolescente que ele fora e que nem conseguiria pensar sobre tão inimaginável futuro, agora ele, por conta própria, vislumbrava já o disco do ponto de chegada. E essa distância de percurso deveria ser desfrutada com a melhor satisfação possível.
“Veja só” – pensava consigo mesmo. Nada de desabalada carreira; um passeio trotado viria muito melhor a calhar. Substituir o foco na raia sob as patas do seu cavalo pelo desfrutar da natureza em volta e dos pontos belos do percurso soava muito mais salutar. Ao invés de se chegar ao ponto de chegada o mais rápido possível, mais inteligente fazer com que a qualidade inexorável dessa variável tempo corresse em conluio inseparável com o prazer de uma fruição desse tipo.
Sim! Se, por exemplo, tivesse como tarefa pessoal empreender algo, o seu retorno teria que auferir ganho para o prazer do percurso, e não um lucro pecuniário hipotético para além do disco de chegada. No final da grande curva é assim que a empresa da vida faz mais sentido.
Mas, e se fosse viver bem além dos oitenta anos? "Não sei", pensou com o sentido de nem querê-lo saber. Daqui a quinze anos pensaria sobre isso, no melhor estilo "Scarlett O'Hara". Colocou um pouco mais de vinho na sua taça: aproveite! É o que temos para o momento e o melhor a fazer.