Conto das terças-feiras –Passos pessimamente calculados
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE 8 de fevereiro de 2022
Regina Lúcia graduou-se jovem. Inteligente, foi a primeira em todas as classes que estudou, primeiro lugar no ENEM, curso de medicina, na melhor faculdade do seu Estado. Recebeu o diploma de médica, com louvor. Orgulhava-se disso, era ambiciosa, sabia o que queria, e sua ambição estava atrelada a excelente emprego e alto salário, se possível diretora de hospital. Antecipadamente pesquisara a área que lhe traria melhores resultados financeiros, depois escolheria onde faria a residência.
Diploma na mão e currículo de fazer inveja a qualquer um, seguiu firme em direção ao melhor hospital de sua cidade. Quis saber quem era o médico diretor. Foi procurá-lo, encontrando-o em sua sala de trabalho. Muito bem recebida, sua graciosidade, seu sorriso leve e seu corpo exuberante, deixaram o Dr. Figueroa encantado. Ele a olhava fascinado, tão jovem, elegante e desenvolta, que as vezes o deixava sem palavras. Perdido naquele turbilhão de emoções, o único movimento que o Dr. Daniel Figueroa fazia era abrir e fechar o currículo à sua frente, sem lê-lo.
Foi então que a candidata a uma colocação no Hospital Doutor Lafaiete, percebera que estava sendo avaliada pelos seus dotes de beleza física e não capacidade profissional. Apontando para o calhamaço de papel que acabara de entregar a quem a entrevistava, falou:
— Doutor, olhe a minha experiência profissional. Enquanto fazia faculdade, participei de congressos, escrevi trabalhos, publiquei dois deles como autora e outros como coautora. Fiz cursos em hospitais dos Estados Unidos, tudo isso no afã de aprender cada vez mais. Tenho patente de um mecanismo para facilitar a intubação de doentes com problemas pulmonares.
— Por que você não vai trabalhar nos Estados Unidos? Lá você terá muita chance de progredir, - ponderou o médico, bem mais experiente que ela.
— Eu não pretendo sair de minha cidade, do meu País, além do mais, meus pais já estão bastante idosos, nasci de um casal de idade avançada, filha única e preciso devolvê-los o que me deram desde então. Quero que sintam orgulho de mim e saibam que estarão protegido até o fim de suas vidas.
Emocionado, o Dr. Daniel deu uma olhada, “em passant”, no currículo da moça que estava sentada à sua frente e falou:
— Não lhe prometo muita coisa, vou ver o que poderei fazer!
Desconfiada de que “daquele mato não sairia cachorro”, começou a bolar uma estratégia para atingir o ponto fraco do respeitável diretor. Abriu um pouco a blusa, deixando o calo mais exposto, afastou a sua cadeira para um pouco mais distante da mesa à sua frente, deitou uma das pernas sobre o joelho da outra, fazendo aparecer parte das belas coxas que a genética lhe proporcionara.
De sua confortável cadeira, o médico não parava quieto, quanto mais a pretendente a uma vaga em seu hospital se mexia, o homem ficava mais excitado. O sangue lhe subia à cabeça, fervilhando. O coração batia mais forte, uma vontade louca de chegar mais perto aquele monumento de beleza feminina, e carregá-lo nos braços, levando-o para bem longe dali.
Já de pé, chegou-se à moça. Ela também se levantou de sua cadeira e ficou imóvel, esperando a iniciativa do senhor que estava prestes a cair em sua armadilha. A distância entre eles não passava de quatro metros, nenhum dos dois tomava iniciativa, talvez com medo de que uma atitude mais ousada fosse interpretada como assédio, um não tinha certeza das intenções do outro, embora desconfiasse. E assim permaneceram estáticos por alguns poucos minutos. A garota, percebendo que era hora de atacar, deu alguns passos à frente, um sorriso malicioso, encorajando o médico a fazer o mesmo. Ambos se agarraram, se beijaram, foi aquele arrebatamento de desejo que fez os dois caírem sobre um grande sofá branco, ali existente, local onde a batalha pelo sexo intensificou-se. Eles nem se preocuparam se a porta estava aberta ou não.
Pelo lado de fora da sala, uma chave era introduzida na fechadura e, imediatamente, dava entrada, majestosa como sempre fazia, a esposa do Dr. Daniel e dona do hospital. Uma dondoca, espalhafatosa, espaventosa, que carregando suas compras pessoais adquiridas em chiques boutiques, descarregou-as todas sobre o sofá branco da sala, virando-se em seguida para o lado da mesa do marido. Não o encontrando, rodopiou sobre os saltos de seus sapatos, dando de cara com duas figuras nuas, em pé, pisando e amassando suas caixas com seus riquíssimos vestidos e sapatos. A dondoca apontou a mão direita em direção à saída da sala, gritando:
— Saiam desta sala, os dois, imediatamente, e não voltem nunca mais!
Cabisbaixos e com suas mãos procurando tapar suas partes íntimas, desapareceram através da porta principal da bela sala do diretor geral do hospital.