Ataque cardíaco

Há uma mulher segurando meu braço, seu rosto está congestionado de preocupação, ela está gritando, chamando alguém e ao mesmo tempo , olhando pra mim, mas eu não consigo ouvi-la....me dou conta que algo aconteceu, algo comigo aconteceu,mas eu não consigo sentir nada e isso, é estranho......

Eu me levantei, como faço todos os dias, no mesmo horário de sempre, tomo o café , visto o abrigo de inverno, vou caminhar, até estar aquecido o suficiente pra correr, um hábito que adquiri por volta de um ano, que me trás imenso prazer. Antes só conseguia pensar em 3 coisas, beber, transar e trabalhar, não nessa ordem.

Andava desorientado por aí, mas dede que comecei a correr, eu tive tempo de pensar o que estava fazendo da minha vida....

Era uma pergunta que vinha sempre a minha mente, mas eu a afastava como quem afasta um inseto incoveniente, não queria pensar. Correr me trouxe forçosamente o tempo necessário pra analisar aquela pergunta, sem mais delonga. Não puder evitar, tinha que responder o que eu andava fazendo esse tempo todo, por aí...

Comecei a perceber que tinha muita coisa errada, a começar pela bebida. Eu bebia todos os dias, estágios de embriaguez que me faziam fugir da real , das coisas que eu não queria ver ou saber, dos fracassos subsequentes que eu colecionava e transformava em piada para meus amigos se divertirem , em rodas de conversa informais. Todo mundo adorava aquelas piadas de um fracassado, bobo e carente.....até eu ria, depois bebia, até cambalear e não me lembrar mais de quem eu era.

Trabalhava feito louco, não tinha folga, trabalhava em dois empregos, um durante a semana e o outro, nos finais de semana e feriados, eu só tinha as noites, regadas a álcool, cigarros esporadicamente, alguma transa, esporadicamente também. A mulheres não gostam de homens bêbados, não posso condena-las, eu também não gostava....

Eu precisava trabalhar, tinha que sobreviver e enviar um pouco do dinheiro para minha mãe, que achava que o filho era o máximo, mas eu não era. ...

O resumo de uma vida.

Correr me fez pensar que diabos eu vinha fazendo até agora com minha existência, e também o cara do rádio, num programa matinal que eu ouvia, pra saber do clima. Ele falava de coisas loucas, de um cara que tinha andado por aqui, pregando coisas diferentes, falava da mente, de coisas invisíveis, dimensionais e tantas outras mais. Eu achava engraçado no início, não dava bola,mas todo dia ele estava lá falando, falando coisas que há muito tempo eu não ouvia, coisas de um amor maior que tudo, eu não conseguia entender, mas eu escutava e passei a ouvir cada vez mais com atenção, ele explicou um tanto de coisas que eu nunca tinha parado pra analisar, mas começaram a fazer sentido pra mim, eu fiquei pensando naquelas frases carregadas de emoção e lógica, comecei a pensar também nisso, durante a corrida.

Parei de beber! Foi de repente assim, levantei e joguei as garrafas de uísque fora, as de tequila também, eu gostava muito de tequila e de uísque, confesso. Esvaziei as garrafas na pia, não senti nada, apenas ficaram os invólucros de vidro, bonitos até, mas coloquei na sacola pra mais tarde serem recolhidos pelo carro do lixo. Pronto, parei de beber, fui correr , depois do trabalho, eu dormi.

Eu não gostava do trabalho, nenhum dos dois, mas pagava as contas e a comida, antes, a bebida também.

Eu odiava o trabalho da semana. Nos finais de semana era menos pior, trabalhava em festas e confraternização de empresas, sempre acontecia algo diferente, era divertido as vezes, mas eu ficava extenuado, morto de cansaço e queria ir pra casa beber, quem sabe transar, se eu desse sorte.

Sonhava em ganhar a vida escrevendo...eu tinha umas coisas guardadas, um caderno surrado com alguns poemas de adolescente e depois, papéis espalhados pelo cômodo, que eu chamava de sala. Eram poesias e poemas que eu escrevia nas madrugadas, depois de porres homéricos, quando a tristeza e a solidão chegavam....as vezes eu queria morrer, ali mesmo, naquele cômodo cheio de bolor , escuro. Eu não tinha nada, nem mesmo a mim.

Não conseguia atinar como eu tinha vindo parar ali, vivendo daquele jeito e apenas com um sonho na cabeça: escrever. Escrever tudo que eu sentia e imaginava, de um mundo melhor, de uma vida melhor, sem tanta crueldade ou leviandade. As pessoas tinham ficado loucas, na grande maioria das vezes, zumbis sem direção, apenas corpos humanos se movimentando sem noção do que realmente era vital, conduzidos pelo sistema infalível e tirânico. Era triste, eu também já tinha sido um zumbi.

Eu queria viver decentemente, com dignidade e saber que minha mãe tinha razão, quando pensava que eu era o

cara, que eu era o máximo.

Comecei a estudar e percebi que toda nossa estrutura de sociedade era baseada em poder, ganância e consumismo desenfreado, sistema inquebrável, que funcionava a todo vapor e onde nós seres humanos, éramos, na sua grande maioria, os escravos, marionetes de um jogo cruel e destruidor. Era desanimador, era o caos instalado e instaurado por milênios... eu tinha um vislumbre disso, todos os dias quando saia pras ruas, até chegar ao trabalho.

Não podia me conformar com aquilo tudo, devia haver um modo de existência mais puro e amoroso, mais pacífico e elevado, com a consciência expandida de que mereciamos mais, muito mais.

Rosimar Lovato
Enviado por Rosimar Lovato em 07/02/2022
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