Inconscientemente
Andamos demais até chegar a um cais. Sabia que as entradas estavam fechadas, mas havia um jeito de entrar, - nós dávamos os nossos jeitos, remendávamos coisas que a outros olhos, não teriam conserto. E eu o levei até lá naquela noite, fiz questão de fazer. Atravessamos de uma ponta à outra, até encostarmos no parapeito. Apesar de nãos ser tudo tão perfeito, eu queria que aquela fosse a melhor noite da minha vida.
Senti o vento que vinha do mar, com o barulho das ondas distantes, abaixo de nós, a água dançava enquanto a brisa a arrastava e refletia a lua no alto do mar à direita. As montanhas eram quase invisíveis no breu e o céu estava meio fechado, com poucas nuvens; Meus cabelos e a camisa sacudiam. Respirei fundo com um largo sorriso.
Depois de alguns instantes, voltei para a minha companhia. Para quem estava ao meu lado, quem estava no céu. Seus olhos brilhavam, mas era um brilho com pouca intensidade. Sua lábios cerrados, ar sério. Sobrancelhas baixas de quem está insatisfeito. E uma fisionomia de quem só estava passando o tempo. A cabeça estava distante. - Aquilo claramente não significava nada para ele. E para mim, era tudo.
Toquei as alianças no meu bolso, respirei fundo e disse:
- Só trouxe pessoas especiais na minha vida aqui. - ele consentiu com um sorriso meio sem jeito. - A primeira vez que vim, foi com o meu pai. Era meia noite também. Por isso, fiz tanta questão que fosse nesse horário.
Me enrolei um pouco com as palavras depois, meu aspecto mudou. Tentava trazê-lo para aquele momento especial, mas minhas palavras eram barradas. Ele estava ali e não estava ao mesmo tempo.
- Eu nunca tinha vindo à praia. - Ele disse por fim. Um timbre tranquilo, de quem está se esforçando para puxar assunto. - Mas eu prefiro de dia, amo o sol. Amanhã eu vou pegar a minha sunga e nós vamos àquela que tem mais lá para frente. - Apontou para a orla atrás de nós.
Fiquei em silêncio por um tempo.
Lembrei-me automaticamente do meu reflexo no espelho, questionando a minha própria imagem. E meus sentimentos que pareciam buscar sintetizar-se aos dele e perdiam-se em paranoias que eu criava. Minhas paranoias eram cada vez mais criativas. O circo na minha mente. A apresentação das minhas alucinações.
- Eu precisava desse momento. - Disse tentando esconder a minha decepção.
- Foi legal.
Ficamos em silêncio. Ao longe algumas luzes dos navios formavam uma linha. Era como uma cidade em alto mar que movia-se lentamente. Do ponto em que estávamos não dava para ter noção do tamanho das embarcações, nunca estive diante de uma, mas imaginei como seria estar lá. Seria incrível! E como já desejei um passeio em alto mar, só não imaginei, mas ficou só nos planos. No mesmo instante, voltei para a realidade, - talvez não fosse tão incrível assim.
Voltando para mim, já estava cansado de imaginar tanto, sentir pouco e receber pouco. Era como se eu estivesse com uma estátua ao lado.
- A culpa foi minha não é?
- Não entendi. - Ele finalmente me olhou atento.
- Eu insisti demais que você viesse.
- E eu aqui estou. - Ele virou os olhos entediado.
- Não como eu gostaria.
- Gostaria do quê? Que eu viesse com um buquê de flores? Nesse exato momento é meia noite e meia, era para estarmos deitados, fazendo qualquer coisa.
- Nem transando, você me bloqueia até nisso.
Ele respirou de forma audível.
Hesitei por alguns minutos.
- Aqui foi onde eu pedi meu primeiro noivo em casamento. - falei sem jeito.
Ele me encarou com os olhos bem abertos e com as sobrancelhas baixas. Indignado. Ficamos parados um de frente para o outro como se ele não acreditasse no que estava ouvindo. Ameaçou dizer algo, mas travou e cruzou os braços.
- Eu disse que só trago pessoas especiais aqui.
- Eu não sou seu ex noivo. O que estou fazendo aqui?
- Não teria mesmo como ser. - Ele me olhou com ar de dúvida. - Ele se suicidou aqui também. Caiu no mar, morreu afogado.
Um silêncio absurdo esfriou nosso clima. Mais do que já estava. Ele parecia digerir com muita dificuldade cada palavra do que eu disse.
- Olha, não sei nem o que te dizer. Por que ele fez isso?
- Porque ele não aguentou lidar com a rejeição que sofria em casa, aconteceram muitas coisas na verdade.
Sua respiração ficou ofegante. Ele estava pálido. Ficou de frente para o mar escuro por alguns minutos.
Olhei para a lua e recebi uma mensagem que não sei porquê, mas me arrepiou. Era como se ela tivesse me indagado: você realmente quer essa pessoa que está ao seu lado, ou você ainda não aceitou o que aconteceu? Você quer mesmo dar continuidade a isso que veio fazer aqui?