Conto das terças-feiras – Problemas pandêmicos
Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE 1º de fevereiro de 2022
Como um dragão chinês, da mitologia chinesa (yong), em dezembro de 2019 o mundo acordou assustado. Esse dragão simboliza a energia do fogo, que destrói, mas permite o nascimento do novo – a transformação – representa a sabedoria e o poder do Império. As autoridades chinesas deram conhecimento ao mundo, do aparecimento de uma nova cepa (tipo) de coronavírus, ainda não identificado em seres humanos. A notícia se espalhou e um alerta foi dado informando que o vírus causava a doença COVID-19, e apresentava bastante letalidade, o que assustou o mundo. Caracterizada pela Organização Mundial da Saúde como pandemia, que se refere à distribuição geográfica de uma doença e não à sua gravidade, essa enfermidade vem afetando vários países e regiões do mundo.
A notícia abalou a tranquilidade de dona Maria Teodoro, uma senhora de 70 anos, que na mocidade foi atleta, campeã de pentatlo, correspondente às modalidades esportivas: corrida, arremesso de disco, salto, lançamento de dardo e luta. Moradora de uma tranquila rua de uma pequena cidade, encastelada em edifício de três andares, todas as manhãs fazia seus exercícios na praça local, para se manter em forma, conforme gosta de propagar aos amigos e conhecidos.
O aparecimento de tão letal vírus, que se espalhava rapidamente pelo mundo, fez com que a senhora Teodoro passasse a realizar seus exercícios diários em seu próprio apartamento, e no período da madrugada, das três às cinco horas. Tinha como atividade preferida, pular corda, o que desagradava sobremodo a moradora do andar logo abaixo do da senhora atleta. O som constante da corda batendo no assoalho a incomodava, não a deixava dormir. Além do assunto sobre a pandemia, a situação deixava a vizinha do andar inferior mais perturbada. Trabalhando em home-office, ela não conseguia se concentrar, tendo que recomeçar tudo já feito.
Depois de alguns dias nessa tormenta, a calma voltou a reinar no apartamento 201, no edifício onde morava a ex-campeã de pentatlo. Socorro, a trabalhadora que vinha exercendo sua atividade laboral, em home-office, ficou dois dias sem escutar qualquer movimento vindo da casa de dona Maria Teodoro. Mesmo assim, em estado de apreensão, continuou sem dormir direito, recorrendo a uma colega para completar as atividades que não conseguira concluir. Somente no terceiro dia de calmaria, a preocupação passou a ser com a saúde da atleta, sua vizinha. Procurou alguns moradores para relatar sua apreensão com a idosa senhora.
— Estaria ela com a Covid e se escondia dos demais moradores?
— Não acredito, ela sempre foi cuidadosa com o seu corpo e com sua saúde - pontuou um dos moradores.
A preocupação dizia respeito se seria correto procurar a moradora do apartamento 301, a discreta senhora, dona Maria Teodoro. Nenhum dos presentes queria ser o responsável pela invasão do recinto sagrado da respeitável atleta. Todos sabiam de sua existência, mas alguns não a conhecia. Discreta e respeitosa, só saia de casa para as suas pedaladas de bicicleta, antes das seis da matina. Nem mesmo ao médico ia, cessando por completo suas idas à geriatra. As refeições, sempre dieta vegetariana, eram entregues via empresa de delivery, que as deixava na porta.
Resolvido o impasse, um casal de moradores se prontificou a ir até o apartamento da dona Teodoro, verificar o que estava acontecendo. Naquela noite mesmo, marido e mulher subiram à escada e tiveram acesso ao terceiro andar, bateram na porta do apartamento da ex-atleta, tentaram mais de três vezes, não obtendo sucesso. Não havia sinal de gente andando pelo interior da moradia da idosa senhora. Os três outros apartamentos do terceiro andar estavam desocupados, no edifício não havia portaria, nem tampouco síndico ou empregados. Apenas uma senhora que fazia limpeza semana sim, outra não.
O casal resolveu chamar mais dois moradores, para ajudar no arrombamento daquele imóvel, pois diziam, boa coisa não seria encontrado naquele local. A cada palpite do grupo as preocupações aumentavam, resolveram arrombar a porta. Com um pé de cabra, forçaram a fechadura e a porta cedeu. Parecia que não estava trancada, mas ninguém deu sinal de vida dentro daquele ambiente. Passo a passo, eles foram ganhando terreno, sala de visita, poucos móveis, três quartos ficavam logo após, dispostos lado a lado, formando um corredor. Do outro lado uma porta que dava acesso à cozinha, que foi aberta e não havia vivalma, apenas uma pequena mesa, duas cadeiras, um pequeno fogão. Foram aos quartos, os dois primeiros abertos, o outro fechado a chave. Romperam a porta e viram dona Teodoro deitada na cama, desidratada, sem força, e viva. Uma ambulância foi chamada e ela levada a um hospital. Soube-se, depois, que tomada de pavor, não queira sair de casa, com medo da pandemia.