REGINA PANDEMIA DE MEDO
Dedico este livro à Dona Regina que nunca vai ler uma só peça da obra. Ela que deitou cedo, mas não dormiu logo porque teria duas faxinas no dia seguinte, para chegar ao centro são dois ônibus lotados, pensava. A filha, velha aos sete anos, gemia no quarto mínimo e frio do seu lado na cama. A febre passa. Ivermectina, cloroquina, dipirona e chá de alho. Com o dinheiro das faxinas compro gás e faço uma sopa. Batata, couve e tomate. Carne só se o Alexandre lembrar na volta do boteco. Santo Deus, quanto tempo não tenho marido. A filha gemendo, o sono que não vem, a febre que não passa. Regina acordou sem ter dormido, mas confiante que o presidente resolverá tudo, dizem que ele é messias. A faxineira dá teto para dois sobrinhos, aparecem e desaparecem como aviões que são no tráfico, vendem para usar. Importa registrar o lamento por essa que não acordará mais nessa vida. Depois que eu voltar das faxinas enterro o corpo, diz engolindo um sapo. E saiu para a rua. Dissolvida na multidão, Regina pandemia de medo.