O CRISTO SUMIU!
Mês de dezembro, noite quente, Lua cheia, brotando do mar. Quanto mais sobe, mais exibe sua beleza ocre. Lembro da minha infância, quando eu passava horas me imaginando a saborear aquele belo queijo gigante.
Nas praias, todos param para admirar o espetáculo. Ele se repete, ano após ano, mas o seu fascínio continua a se exercer, não apenas sobre os cariocas, mas também naqueles que aqui vivem ou vêm de fora para ter o privilégio de assisti-lo.
Livre totalmente da prisão do mar, a Lua se apresenta, soberana.
De repente, uma criança, para quem o espetáculo nada significa, puxa a mão da mulher que está a seu lado e grita, excitada:
- Mãe, mãe, o Cristo sumiu!
A mãe, a princípio, não dá a menor atenção ao menino, pois, além de apreciar a beleza da Lua, ainda divide seu tempo com as amigas, em animada conversa.
- Mãe, cadê o Cristo, mãe?
A mulher, finalmente, resolve olhar na direção do Corcovado e dá um grito angustiado.
- Vejam, vejam! O Tibúrcio tem razão. O Cristo sumiu mesmo! Vamos chamar a Polícia, O Corpo de Bombeiros, ligar para Brasília. Alguma coisa precisa ser feita! O Cristo é nosso Que história é essa de tirar a estátua sem a nossa permissão? Teriam de ter feito um plebiscito para saber se as pessoas queriam ou não a imagem do Redentor no lugar que sempre foi dela.
As amigas se entreolham, depois de verificar a ausência da estátua no alto do morro e abanam as cabeças, incrédulas pelo acontecido e pasmas com o discurso da mãe do Tibúrcio.
- Calma, Ernestina – pondera a Diocleides. Não é hora de protesto ou reivindicação. Pode estar certa que, a esta altura, a polícia já foi avisada, porquê todos que costumam ver a imagem do Cristo à noite, já devem ter posto as bocas no mundo.
- Você tem razão, Di. É preciso manter a calma, mas eu quero o meu Cristo de volta – resmungou a Ernestina.
A essa altura, as linhas telefônicas estavam totalmente congestionadas, na tentativa de contatos com as “autoridades competentes” e a maioria das pessoas, sem coragem de ir para casa, procurava saber se alguém, por ali, teria alguma informação sobre que estava acontecendo.
Ernestina toma a decisão rápida pelo grupo.
- Vamos à casa da Antonieta. É aqui pertinho e é quase certo que a TV deve estar dando notícias.
E sai, arrastando o Tibúrcio pela mão. Passam pela portaria como foguetes, sem cumprimentar o seu Ananias, porteiro do prédio e conhecido delas e vão bater à porta do apartamento da amiga, ali mesmo no andar térreo.
- Abre logo, Totonha. Mulher mais lerda. Parece o bicho-preguiça – rosna a Ernestina enquanto aperta freneticamente o botão da campainha.
Antonieta abre a porta e fica olhando o grupo, sem entender o porquê de tanto barulho.
A Ernestina não perdoa.
- Criatura de Deus! Estava dormindo? Aposto que não sabe que o Cristo sumiu!
- Sumiu mesmo? – pergunta a Totonha, abrindo enorme bocejo. Pois sumiu tarde! Vocês sabem que nós, do Clube Ecológico “Tudo como nos velhos tempos” não gostamos nem um pouco daquela estátua enorme e engomada poluindo o visual do nosso Corcovado. Que Nosso Senhor não me castigue, mas eu prefiro o morro ao natural, cheio de árvores e passarinhos, sem ninguém explorando os turistas para dar uma chegadinha lá em cima.
- Poxa, Totonha! O caso é muito sério. Deve estar dando na TV. Deixa a gente entrar para saber das notícias - suplica a Diocleides.
- Mafalda, vá buscar cervejas e pizzas, porque a noite promete ser longa! – ordena a Ernestina.
- Mãe, mãe. Quero ir pra casa. Não quero mais saber do Cristo. Tô com fome e sono. Não gosto da pizza daqui. Quero Coca.
- Fique quieto, menino, grita a Ernestina, enquanto se despenca pelo corredor, atrás da Mafalda.
- Maf, traz Coca para o Tibúrcio. Fica quieto, menino. Depois de comer, vai dormir na cama da tia Totonha – arremata a Tina.
- A cama é muito dura, mãe. Se o pai “tivesse” aqui ele ia me levar pro Mc Donald’s e depois íamos pra casa dormir. Não gosto mais de você!
Ernestina deixa o filho no quarto da Totonha e volta para a sala, onde as amigas estão em frente à TV.
- Tina, nenhum canal está dando notícia sobre o sumiço do Cristo. Será que nós não tivemos uma alucinação coletiva? Que tal se fôssemos todas para nossas casas? Estamos cansadas e tensas. Com certeza amanhã o Cristo aparece no seu lugar e pronto – argumenta a Gumercinda, a mais velha e equilibrada das amigas.
- Agora você levantou uma questão muito séria, Guma. Será que estamos ficando doidas? - quero dizer doidos, porque o meu Tiba também viu que o Cristo tinha sumido. Todos fomos testemunhas: o morro estava sem Cristo nenhum – rebate a Tina.
- Então vamos lá tirar a prova final, propôs a Guma, com o apoio, inclusive, da Totonha.
Saem apressadas, esquecendo do Tibúrcio que, cansado de esperar pela Coca-Cola, acabara dormindo.
Abrem a porta do prédio, dão de cara com o magnífico e gigantesco queijo ocre, correm para a praia, viram-se, ao mesmo tempo para o morro do Corcovado e lá está o Cristo Redentor, no lugar de sempre, iluminado e com seus braços abertos sobre a Guanabara.
Ficam as amigas sem saber o que pensar, quando ouvem a vozinha do Tiba, correndo na frente da Mafalda.
- Mãe, mãe, me leva pra casa? O Cristo já voltou para o lugar dele.
- É o seguinte, minhas caras - vai logo dizendo a Mafalda. Deu no Jornal Nacional, agora mesmo. Imaginem que a Globo está fazendo tomada de cena para a próxima novela das oito, lá no Corcovado, e, para obter um determinado efeito, inventou de criar um fundo negro, que acabou por encobrir, por alguns minutos, a imagem. Conclusão: o nosso amado Cristo jamais deixou de estar no lugar que sempre foi dele.
Apesar dos lamentos da Antonieta, Ernestina, com ar vitorioso, encerra o caso.
- Não falei? Não falei? Eu sabia que nem eu, nem o meu Tiba e nem vocês estávamos doidos. Doidos são aqueles caras da Globo, que vivem perturbando o juízo dos outros. Vamos, filhinho, vamos passar no McDonald’s, que aquela pizza que a tia Mafalda levou já deve estar fria e horrorosa de se comer. Tchau, gente.
E lá se vão, mãe e filho, abraçados e felizes, apontando, ora para a Lua, ora para a imagem do Cristo, até sumirem no fim da rua, rumo ao Mc Donald’s.