AS VOLTAS QUE O MUNDO DÁ...
AS VOLTAS QUE O MUNDO DÁ...
Noite alta, o carro seguia veloz na estrada, viagem que poderia ser feita á tarde, ao invés de correr os riscos de uma aventura noturna. Toca o celular do motorista, que atende, o aparelho fixado num pedestal plástico:
-- "Tio Marcelo, você só me liga de noite" !
-- "De tarde você trabalha, não quero incomodar" !
-- "Estou na estrada, não dá para falar agora. Me ligue amanhã de tarde... ou de noite" !
Desligou em seguida e passou o aparelho para a jovem esposa Fátima, casados há pouco tempo. Pediu que a moça conferisse seus emails, não tivera tempo para isso.
-- "Você sabe ler, querida" ?!
-- "Que raios de pergunta idiota é essa" ?!
-- "Não tive tempo para ler os contos dele... veja se encontra o último, o mais recente" !
A moça consultou vários emails -- todos comerciais -- e parou no de uma certa Margareth. Hesitou:
-- "Posso saber quem é essa... Margareth" ?!
Foi a vez dele hesitar... se a impedisse de ler teria um grande problema pela frente. Autorizou abrir a MSG:
-- "É só uma cliente, de cidade próxima daqui, estamos indo pra lá"!, falou sem olhar para a esposa.
-- "Pode abrir, se quiser" !
Era o que ela mais queria: "Meu amor, sinto saudades, faz tempo que não te vejo. Seu material é ótimo, fiz uma grande venda. Preciso de ti para fidelizar o cliente" !
-- "Huumm, realmente "muito comercial" esse texto" !
-- "Não crie "minhocas" nessa cabecinha... ela é sua prima" !
Fátima exaltou-se, aquilo já era demais, tio Márcio era solteiro, sempre fôra.
-- "Você quer que eu acredite numa mentira desse tamanho ?! Não vou ler mais coisa nenhuma, tome seu celular" !
-- "Como eu disse, estamos indo pra lá... amanhã tudo se esclarece" !, disse Rogério, encerrando a discussão.
Chegaram de manhãzinha, o sol "escalando" a linha do horizonte para mais um belo dia. Aguardaram até 7 e meia em frente a modesta casa na área central. Rogério bateu palmas, surgiu bela jovem de 15-16 anos, a cara do tal tio Márcio. A esposa levou um susto !
-- "Santo Deus, mas é a Fátima" !, gritou a menina, desculpando-se pelo deslize.
Rogério, vingado, olhar de triunfo, apresentou-as:
-- "Dona Fátima... sua prima Margareth Silveira Negromonte" !
Lá dentro, tudo se esclareceu... a jovem contactara sua empresa via Facebook, queria iniciar um negócio de decalques e faixas autocolantes ali no lugarejo. Quando Rogério viu o sobrenome, desconfiou... sondando a moça, soube que não tinha pai, mas a mãe namorara alguém da cidade onde Fátima nascera. Não lhe foi difícil concluir que as jovens seriam parentes. Aproximou-se da família e soube da história completa, um grande drama. Maria Lúcia e Márcio namoravam firme, íam até casar, mas bastaram 4 ou 5 dias longe um do outro para ambos traírem. Nenhum confessou a "pulada de cerca", preferindo culpar o outro pelo deslizes que os separou. Maria Lúcia engravidara, sem saber de quem... Márcio, desiludido, nunca mais amou ninguém !
Parece letra de bolero, mas são só "as voltas que o Mundo dá" ! Fátima estava chocada, se sentia numa novela:
-- "Quando é que você iria me contar essa história" ?!
-- "Realmente, não sei... não queria envolvê-la nisso" !
-- "Não sei o que fazer ! Minha prima não pode ficar sem o pai" !
-- "Depois de tanto tempo, Luísa ainda o ama" !, comentou Rogério.
-- "Eu notei... se titio não casou é porque não a esqueceu" !
Foram dali para a cidade da família de Fátima, final de ano, todo mundo reunido. A sobrinha achou um momento a sós com o tio macambúzio:
-- "Tio Márcio, sua filha quer conhecer o pai que não teve... ela mora bem perto daqui" !
O tio emudeceu por longo tempo, não acreditou no que ouvira:
-- "Que história é essa, menina... não casei nem tive filhos" !
-- "A mãe se chama Maria Lúcia... aqui está o telefone" !
Pegou com a mão trêmula o papelucho, um mundo de emoções desabando sobre êle. A cada algarismo discado arrastava "blocos de concreto" pesando meia tonelada. O Passado se fazia presente, o coração rejuvenescera, aliviado das mágoas.
-- "Maria Lúcia falando... Bom-Dia" !
-- "Aqui é o Márcio Negromonte... reconheci a tua voz, "Lulu" ! Quanto tempo ! Você está bem" ?!, as pernas tremendo.
Uma voz cheia de lágrimas gaguejou, do outro lado:
-- "Oh, meu Deus... quanto tempo ! Um longo tempo" !
-- "Uma eternidade, "Lulu"... precisamos conversar ! Espero que você me ouça e me perdoe, se puder" !
-- "Já lhe dei o meu perdão há muito tempo, querido... lhe dei até uma filha, foi a vontade de Deus" !
-- "Sim, eu soube hoje... é um presente que não mereço" !
E a conversa continuou, como dois namorados fazem !
"NATO" AZEVEDO (em 19/jan. 2022, 23,30hs)