Quarentena

Estar preso na quarentena entediava Bartolomeu. Não aguenta mais ligar a TV e ver no jornal das 18:00 o número crescente de mortes por covid. A monotonia dos dias enfadonhos o enfraquecia, ele gostava de encontrar os amigos para jogar futebol; um deles já se foi pelo vírus. A solidão pairava Bartolomeu, mas ele emputecia a mesma com frivolidades: conversas inúteis na internet, via filmes, livros aleatórios, jogos e toda forma de anestesiar seu tédio.

Sai às vezes ao mercado, como bom observador, nota todos os detalhes. Todos de máscara, em todos os sentidos. Via desde crianças birrentas fazendo barulho ao negacionista maluco exalando ceticismo nos cantos exteriores. Ao apoiador nato da vacina ao aproveitador midiático das mortes. Havia de tudo pisando sobre o solo do mercado, principalmente solidão. É possível dizer que o atacado mais frequentado é a solidão. Todos caminham lá sem gosto, passo a passo no varejo, às prateleiras de incertezas. Ignoram as promoções da semana, como introspecção, afeição e empatia.

Em casa, Bartolomeu ouve suas músicas enquanto olha o teto. Rodopia em diversos pensamentos do cotidiano. Imagina um cenário trágico: ele como a morte ceifadora, andando sobre um corredor de hospital. Todas as portas abertas e todos entubados prestes a morrer. Cada cidadão com alguma história diferente, com dezenas, atos e opiniões mundanas. Lentamente como vento, vê-se diluído nas dezenas de possibilidades de vidas que findarão. Entende o mausoléu da existência humana, onde fragilidade é o substantivo mais coerente da realidade. 

 

Reirazinho
Enviado por Reirazinho em 20/01/2022
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