Desbotadas cartas
 
Estava muito frio, o mercúrio do termômetro parecia congelado nos 2ºC e a chuva carregada pelo vento sibilante não dava trégua.

A casa estava aquecida, no fogão de lenha tocos de bracatinga crepitavam quebrando o silêncio reinante.

Osvaldo levantara-se cedinho, teria que ir à vila próxima para comprar suprimentos, o armário da cozinha estava quase vazio.

Observou o abrigo ao lado do casebre, o velho pangaré tiritava de frio, precisava arreá-lo para seguir pela trilha lamacenta para chegar a vendinha.

Ranger de porta, ao derredor as árvores contorciam-se castigadas pelo vento, arrepiou-se...da soleira da porta observou  a massa de névoa que encobria a vegetação, pios  de pássaros ocultos na mata pareciam anunciar nova tempestade.

Fechou a porta. Amanhã irei, hoje não saio de casa nem que a vaca tussa.

Recostou-se no banquinho ao lado do fogão, a chaleira d’água quente lançava vapores de fumaça que se diluíam suavemente no ar.

Tornou ao quarto e abriu a porta do tosco guarda-roupa...lá estava ela, a caixa de sapatos em que guardava pequenos mimos e recordações: o par de alianças, óculos de sol, o relógio de pulso, poucas fotografias e algumas desbotadas cartas...o maço de papéis amarelados enlaçados por uma fita azul, titubeou mas assim mesmo desenlaçou-os vagarosamente.

Sentou-se na beira da cama, as mãos tremulavam, desdobrou-as cuidadosamente temendo que se desmanchassem sob o toque áspero.

Transladou-se ao passado,  alegres e tristes recordações assomavam-lhe a mente, abriu a carta derradeira, uma violeta ressecada, colada na desbotada carta  encimava a despedida:- adeus Osvaldo, tenho que partir, não me procure mais, nosso amor é impossível, meus pais jamais aceitariam que eu me casasse com o filho do caseiro de nossa chácara, lembre sempre de mim pois eu jamais o esquecerei, beijos ...
Renata.

Olhos cheios de lágrimas, Osvaldo largou as cartas sobre a cama e retornou à cozinha, do armário apanhou o aguardente e murmurou: até nunca mais querida!

Da parede acima da mesa da cozinha o velho cuco anunciava: 6h da manhã.
Osvaldo empertigou-se, já era hora de um mate quente, o amargo chimarrão, cuia, bomba e erva as mãos, preparou o delicioso chá tão apreciado pela gente do Sul.

Ficou ali mateando, matutando sobre a vida, lembranças passadas.

 

By: Maurélio Machado