Trote de PIX
Berto ouviu da viúva do recém-falecido patrão:
— Você já pode picar a mula, porque meu novo marido já tem outro capataz.
Berto entendeu a expressão “picar a mula”, uma fala bastante conhecida na região.
Berto tentou argumentar sobre todas as décadas que havia passado sendo o braço direito do patrão naquela fazenda, mas que infelizmente o generoso homem não estava mais ali para manifestar todo reconhecimento merecido.
E, para surpresa ainda maior de Berto, a viúva avisou que a indenização que lhe era devida consistiria em que ele ficasse sendo proprietário da mula que ele já cavalgava durante os últimos 3 anos (desde quando o animal havia ficado adulto). Pronto! Dinheiro parecia que iria ficar por conta de algum resto de boa vontade.
Depois que ele ouviu ela lhe mandar picar a mula (pegar o rumo; vazar; procurar por ela “ali na esquina”), foi bastante ele querer argumentar quando aí ela bradou:
— “Pique-se daqui! Pegue a mula e vá agora mesmo!”
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Vida que segue, Berto conseguiu facilmente uma liminar na Justiça do Trabalho. Pela decisão judicial, a viúva teve um prazo de alguns dias para obedecer ao juiz. E obedeceu mesmo. Foi logo fazendo um PIX de uma quantia bastante volumosa e passou a aguardar a futura decisão final do processo. Ela sabia que no final iria acabar pagando mais ainda pelos direitos do antigo empregado.
Também ficou garantido que a mula (que ela havia dado para o Berto) já fazia também parte da indenização trabalhista sem descontar do dinheiro devido ao demitido capataz.
Ao saírem do fórum, Berto se despediu de seu advogado. Observou que a madame fazia o mesmo com o dela.
Berto então olhou para a sua mula amarrada num canto a alguns metros dali e se lembrou de que, no caminho que tinha feito um pouco antes até chegar ao fórum, a viúva havia passado por ele (que seguia montado no animal); e se recordou de quando ela, dirigindo o caminhão Ford antigo, nesse momento havia levantado poeira de propósito quando o tinha alcançado.
Ele correu e montou na sela do animal rapidamente, conseguindo alcançar o momento em que a viúva ainda estava abrindo a porta do veículo para ir embora.
Naquela rua principal do interior, o chão ainda era de barro.
Berto troteou a mula e, propositalmente, fez com que o animal levantasse poeira com os cascos quando o vento soprou forte, produzindo assim uma onda de poeira com terra na direção da madame. Pronto. Acabava de devolver o desaforo que havia sofrido antes na estrada.
Foi a glória para Berto.
E, ainda por cima, quando se lembrou de que nunca tinha dado um nome para aquela mula que tanto representava para ele, veio-lhe à mente aquela frase que a viúva tinha gritado para ele (“pique-se daqui”) e também lhe chegou à lembrança o gordo valor depositado para ele no PIX.
Berto troteou outra vez e empinou a mula, como se ela fosse o cavalo do Zorro, enquanto ele montado gritava... já movimentando ainda mais poeira para cima da viúva:
— Aiiiôôôô, PIX.... avante!
O animal acabava de confirmar a companhia definitiva do seu peão favorito, assim como um nome de respeito.
E pela região ficou famoso o barulho do trote de Pix... que era como ficou conhecida a mula de Berto.