Conto das terças-feiras - O homem que amava a lua

Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE 4 janeiro de 2022

Desde criança ele passava horas e horas apreciando a lua, às vezes desde o seu aparecimento até a hora de o sol, com ciúme de seu encanto, direciona seus raios, tentando ofuscá-la. Morava na imensidão de um sítio de cerrado, onde, para qualquer lado que se olhasse, a terra amarela encostava no céu azul, como tentando forçar que as nuvens de chuva ali caíssem, derramando seu precioso líquido naquele solo árido e desprovido de umidade. Com a topografia privilegiada, seu horizonte era sempre estendido, dando-lhe a oportunidade de perseguir o chegar e o sair daquele belo monumento pendurado no seu imenso céu.

Assim ele crescera, admirando o belo brinquedo que Deus lhe presenteava algumas noites do ano. Ficava inconformado naquelas que ela teimava em não aparecer. Não compreendia as suas transformações de forma e tamanho, mas acreditava que era uma brincadeira que ela inventara, para mantê-lo ali por algum tempo, já que nunca poderiam estar próximos.

Sua visão da lua era sempre privilegiada, nítida e linda. Quase não havia árvores no local, sua casa e nem nos arredores tinha luz, os habitantes daquele local esquecido, eram iluminados por velas ou lamparinas a querosene. Tudo era simples, tudo era magia. Sentado sobre um velho tronco de 40cm de diâmetro, tortuoso, colocado há alguns anos passados em frende à sua casa, que um dia fora uma bela árvore conhecida como Jacarandá, o menino se perdia no tempo, fazendo lucubrações sobre o seu futuro. Não ia muito longe, seu mundo, embora grande aos seus olhos, não passava do que apenas ele via. Não sabia ler, embora tivesse bastante vontade de aprender, a distância de sua casa para a escola era imensa. Seus pais não tinham tempo, viviam a trabalhar, ali mesmo, para sustentar seus descendentes, seis filhos e um na barriga da mulher.

Ao completar 18 anos, fora obrigado a migrar para a cidade grande. Alguns grileiros se apossaram das terras do pai, obrigando-os a saírem em fuga, caso contrário seriam dizimados. No novo local de moradia, uma praça de uma cidade grande, não havia espaço para todos. As crianças, fortes e bonitas, por sinal, foram doadas às senhoras de posses que, por pena, diziam, iriam tomar conta delas. Os pais, como muitos na mesma situação viraram catadores de latinhas, para reciclagem. O produto financeiro desse trabalho era irrisório, mas era o que tinham. O filho mais velho, o apaixonado pela lua, vivia a procurar carros para lavar. Não reclamava, a única tristeza era que já não mais conseguia ver a lua, como estava acostumado lá no seu pequeno paraíso, sua casa, seu local de convivência.

Certo dia, ao lavar o carro de um professor universitário, tomou conhecimento que ele era astrônomo, doutor em astronomia, cientista que estuda corpos celestes como planetas, estrelas, satélites e galáxias. Ele sabia que a lua era um satélite da Terra, isso o animou bastante. Quem sabe, pensou, o doutor não lhe ensine alguma coisa sobre a lua? Esperou que o dono do carro voltasse, não pelo dinheiro da lavagem, já era noite, mas pelo que aquele sábio homem poderia representar para seu futuro, sua vida.

O cientista chegou e o modesto lavador de carro chegou-se a ele e perguntou:

— Doutor, é verdade que o senhor conhece tudo sobre a lua?

— Quem lhe falou isso?

— Um estudante de quem eu lavei o carro agora mesmo.

— Qual o interesse seu pela lua? Perguntou o professor.

— Desde criança sou apaixonado por ela!

A sinceridade daquele garoto comoveu o professor. Sentados em um banco da praça, o cientista ouviu toda a história de vida daquela figura cansada e triste, mas com muita vontade de ser alguém. Comovido o mestre fez uma proposta:

— Você gostaria de trabalhar para mim? Tenho um projeto de pesquisa para montar um telescópio para a Universidade onde sou professor. Você seria meu ajudante.

— O que é um telescópio? Perguntou o garoto, já entusiasmado.

— Um instrumento óptico utilizado na obtenção de imagens ampliadas de objetos situados a grandes distâncias, como a Lua, que está próxima da Terra.

Acertadas as condições, o garoto já começou no outro dia, depois de formalizadas as questões burocráticas. A oportunidade oferecida surtiu os seus efeitos. Passados alguns anos, o apaixonado pela Lua tornou-se um dos mais renomados astrônomos do Brasil. Aprendeu a ler e, de curso em curso, graduou-se em Física, fez pós-graduação e doutorado em astrofísica disciplina que estuda a constituição material, as propriedades físicas, e a origem e evolução dos astros; física cósmica.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 04/01/2022
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