CENA DE TERROR NA SALA DE ESTAR

Eu já não agüentava mais. A cada festa, a cada encontro de família, lá estava o Paulo Ricardo a dar vexame, sempre empunhando aquele maldito copo de cerveja na mão.

Mas também podia ser uísque, vodca, vinho (branco, tinto, rose), qualquer coisa que contivesse álcool o bastante para que ele pudesse se embriagar e fazer toda a família passar por constrangimentos. Eu, no meu caso, passar por vexames por causa do vício do Paulo Ricardo já era comum. Porém, quem se acostuma a ter que enfrentar situações assim? Ninguém. Era quase insuportável ver a expressão de pena que minha família me lançava quando o Paulo começava a dar seus shows. Nem sei como me convidavam para as festas de batismo, casamento, natal. A família era grande. Sempre havia alguma comemoração. E sempre ele aprontando.

Tudo era motivo para bebedeira. Dívidas, promoção no emprego, carro novo, sol e chuva Na alegria ou na tristeza, lá estava o Paulo Ricardo empurrando um, dois, três copos e por aí vai, de cachaça. Nas vezes que eu tentei intervir, quase apanhei. Por isto, nas festas de família, eu deixava que ele bebesse e não fazia nada. Era nítido o constrangimento. Minhas irmãs tinham vontade de falar alguma coisa, mas acho que lhes faltava coragem. Assim como me faltava força para desabafar com elas todo o meu sofrimento. Felizmente meus pais já haviam morrido e não testemunharam tudo o que passei.

Meus filhos tinham vergonha do pai. Assim que cresceram um pouco mais, me vi sozinha. Luana, a mais velha, passava mais tempo com o namorado do que em casa. O mais novo, Leandro, com a desculpa de ser vocalista de uma banda de rock, também pouco parava em casa. E eu fiquei vivendo em uma casa grande, com um homem que era um alcoólatra, incapaz de admitir sua doença, temendo sempre o próximo round. Não queria revelar para ninguém, mas Paulo Ricardo estava se tornando um homem violento.

E chegou uma noite em que tudo aconteceu. Ele já chegou alcoolizado, tonto. O carro novo que ele tanto se orgulhava, apresentava uma batida de leve na lateral. Mas acho que o Paulo nem se deu conta. Meu marido chegou cambaleante e se atirou no sofá, ante meu olhar de desanimo e raiva. Eu gostaria que ele morresse. Como eu desejava que um caminhão tivesse passado por cima do carro dele e não somente arranhado a tinta. Como eu queria te ver morto, Paulo Ricardo, mas você é bem capaz de arrumar uma cirrose e ficar meses ou anos apodrecendo em cima de uma cama e não me deixando viver.

Ele me encarou com seus olhos vazios e pediu que eu alcançasse uma garrafa de vinho que estava na geladeira. E eu fui. Tinha a leve impressão que algo dentro de mim havia fugido. Era eu mesma que não estava mais ali. Talvez isto explique o que eu fiz. Peguei a garrafa da geladeira. Ela estava geladinha. Até me deu vontade de beber. De me embriagar. De tomar todas. Mas resisti. Voltei até a sala e o encontrei meio dormindo. E sem pensar, bati três vezes com a garrafa na cabeça dele. Ela se quebrou nas minhas mãos.

Nunca mais vou esquecer o olhar do Paulo Ricardo quando sofreu o primeiro golpe. Era de incompreensão, surpresa. Por fim, dor. Ele tentou falar alguma coisa antes do segundo golpe. No terceiro, ele apagou. O sangue escorria pela sua cabeça, pelo sofá, a garrafa tinha me cortado e eu nem percebi. Ainda em transe, peguei o celular e o manchei todo de sangue. Trêmula, caindo em mim, liguei para minha irmã. Somente disse:

- Matei o Paulo Ricardo.

- Estou indo para aí – foi a resposta dela, surpreendentemente calma, como se esperasse que um dia eu realmente tivesse um ataque e acabasse fazendo o que fiz.

Mas antes que ela chegasse, meu filho apareceu do nada. Leandro me encontrou na varanda, com as mãos em vermelho vivo e nem precisou entrar para se chocar com a cena de terror na sala de estar. Ficamos de mãos dadas, ambas ensangüentadas, esperando ajuda, que alguém me salvasse daquele horror e que tirassem o corpo daquele bêbado de cima do meu sofá novo.

O resto aconteceu tão rápido que nem me dei conta. Fui internada em uma clínica e fiquei sabendo que fui notícia por algumas semanas nos jornais. Meu advogado conseguiu me absolver e assim que consegui assentar minha cabeça, me mudei daquela casa em que eu havia matado o pai dos meus filhos.

E quer saber de uma coisa? Não me arrependi.

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 18/11/2007
Código do texto: T741813