UMA VISITA INESPERADA

O vento agita meus cabelos esbranquiçados pela ação implacável do tempo. Minha cadeira de balanço se move conforme o movimento do meu corpo. No rádio, uma canção melancólica se alinha com minha alma. Todos os dias venho e sento nesta cadeira. Há um lindo jardim à vista, muitas aves entoam seus louvores.

A verdade é que estou cansado. Tudo que eu amava se perdeu com minha juventude. Vivo nesta casa de repouso, mas nada descansa uma mente exausta. Fiz escolhas na vida das quais não sinto prazer em revelar, sofri cada consequência que me cabia sofrer, paguei minha dívida com o mundo, porém perdi muito mais do que suportava perder.

Sou velho, contudo já caí na tentação de ser jovem e irresponsável. Como fui tolo!

Hoje tenho setenta e três anos, meu vigor ficou pelo caminho; as lições que aprendi não me serviram para recomeçar.

O vento continua agitando meus cabelos, o passado me assombra como um fantasma. Sim, estou cansado! Nem a beleza do jardim me alegra, porque este jardim me lembra que estou aqui por não saber valorizar as pessoas que tentaram me ajudar. Estúpido jardim, ou será que o estúpido sou eu?

Enquanto me perco em lamentações, não percebo o aproximar de uma criança.

— Olá!

Olho para a menininha que me encara com olhos curiosos.

— Olá, criança. — Respondo.

— Não sou criança, já tenho oito anos. — A menina esbraveja.

Não consigo conter o sorriso, como são ingênuas as crianças. Meu Deus, como envelheci!

— Se não é criança, o que você é? — questionei.

Ela pareceu-me pensativa, abriu a boca para responder, mas logo se calou. Quando tornou a falar, foi com outra pergunta:

— Você não entende que já fui criança?

— Entendo que ainda é.

A menininha pareceu se enfurecer; no entanto, seu semblante acalmou-se rapidamente.

— Sou quase adolescente.

— Ser quase alguma coisa, não te torna essa coisa.

— Você fala muito complicado. — A garota rebateu.

— Afinal, o que faz aqui sozinha? — indaguei, pois só agora percebi que estava conversando com uma garota desacompanhada.

— Não estou sozinha, mamãe me trouxe para ver o vovô.

— E onde está seu vovô?

— Lá dentro, eu quis passear um pouco.

— É um lindo jardim para se admirar. — Falei.

— Cadê sua família? — a pequena disse, curiosa.

— Sou só eu no mundo.

— Deve ser triste não ter ninguém para lhe visitar.

— Estou acostumado. — Eu menti, ninguém se acostuma em viver sozinho.

— Vamos fazer assim, quando eu vier visitar meu vovô, vou visitar você também.

— Para mim, será uma honra!

A pequena e eu fizemos um acordo. Ela me contou mais sobre sua família, e eu contei alguns momentos bons que tive durante a vida.

Pelo tempo que a menina ficou ao meu lado, a tristeza deu uma trégua. Uma trégua que há tempo eu não sentia. Não adianta eu me iludir, ainda sou um velho cheio de mágoas e estou condenado a levá-las ao túmulo; mas é bom sentir-se vivo de vez em quando.

Felipe Pereira dos Santos
Enviado por Felipe Pereira dos Santos em 24/12/2021
Reeditado em 03/01/2022
Código do texto: T7414163
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