Migalhas na Madrugada

21.12.21

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Acordo todas as noites para ir ao banheiro pelas duas, duas e meia da madrugada. Com fome também, pois jantamos às dezenove horas, sempre uma leve refeição . Às vezes, às seis e meia da tarde já estamos sentados à mesa tomando a nossa sopinha, ou capelleti in brodo que faço e adoro. A idade avançando...

Brinco com a minha mulher, que dormimos com as galinhas e acordamos os galos, pois às quatro e meia me desperto e eles ainda não cantaram. Há aqui galos em algumas das casas na praia, e os escuto acordado todos os dias.

Voltando ao assunto da fome na madrugada, como bolachas de água, aquelas redondas e bem crocantes da Tostines para aplacá-la. E fazem muita sujeira, pois sempre se esmigalham ao pegá-las sonolento naquele horário, deixando cair algumas no chão indo ao banheiro. Mata-me a fome, o que importa. A sujeira, se limpa no dia seguinte.

- Bom dia querida, tudo bem? Onde está a vassoura?

- Por quê?

-Comi bolachas de madrugada e deixei o meu rastro pelo chão. Olha só – apontado para elas que definiam minha rota ao banheiro.

-Fernandinho, está parecendo o teu tio que comia pão na madrugada? Agora são as suas bolachas na madrugada? Castigo vem a galope, hein! – rindo do acontecido.

Lembrou-me da historia que escrevi sobre a mania de um tio, irmão do meu pai, que vinha mensalmente a nossa casa em São Paulo fazer consultas médicas, e dormia no meu quarto, o de hóspedes, em sofá ao lado da minha cama. De madrugada, ele acordava e tirava do bolso do paletó pedaços de pão que pegara no jantar, comendo-os com aquele barulho, ou estalos de pão mordido, acordando-me. Eu, moleque de dez anos na época, não entendia esse vicio, pois ele poderia muito bem comer mais. Perguntei-lhe certa vez desta sua mania, respondendo–me que tinha medo de morrer de fome dormindo. É possível?

Ano passado, resolvi montar um grupo no whatsapp dos primos por parte do meu pai, minha mãe não teve irmãos, pois depois da morte de todos os nossos tios, nunca mais tivemos contato. Saber com estavam, sobre os seus filhos, e netos, suas histórias, enfim resgatar a nossa família. Incluí as três filhas deste tio. Uma delas, após a leitura do texto que escrevi sobre essa peculiaridade do seu pai e editei no grupo com o título de Pão da Madrugada, ficou indignada e saiu, como as outras duas irmãs. Típico da passionalidade italiana – melindram-se com qualquer coisinha que se fale da sua família - entidade sagrada e irretocável, eco!

Peguei a vassoura e comecei a varrer as inúmeras migalhas dos biscoitos que comera espalhadas pelo chão, denunciando talvez, ter a mesma mania do meu querido tio. Mas, não tenho medo de morrer de fome dormindo como ele, claro que não!

Minha mulher rindo a grande da cena que lhe proporcionava, disse-me:

-Agora, precisa escrever sobre as suas migalhas na madrugada!

Pois é, será que é hereditária essa fome noturna? Será?

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 21/12/2021
Reeditado em 21/12/2021
Código do texto: T7412258
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