O Joanete
18.12.21
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Tenho acido úrico. Herdei do meu pai, é hereditário infelizmente. Meu filho mais novo tem também. Mas, com medicação diária e alguma dieta, consigo mantê-lo controlado.
Lembro-me do meu pai queixando-se das crises de “gota” que tinha com alguma frequência, inchando o dedão do seu pé esquerdo em vermelho forte indicando a inflamação. A dor é insuportável, sei bem. Ele não fazia dieta e dizia:
-Eu adoro comer e beber! Nesta fase da vida, não vou abrir mão destes prazeres, prefiro enfrentar as dores das crises. Remédio é pra isso não é mesmo?
Também, de ver os seus sapatos com rasgos bem encima do joanete, que os depósitos de urato dia a dia aumentavam-no, impedindo-o de calçá-los sem essa engenhosa modificação. Era cômico vê-lo andar pela casa com eles e o joanete saindo pelo buraco. Inesquecível a cena.
Há algum tempo que não tenho crises de gota. Mas o meu joanete, no mesmo pé e local que o do meu pai, cresce silenciosamente, e às vezes me incomoda. Tomo religiosamente o remédio e faço alguma dieta. Tem dias que ele está mais sensível, avermelhado e inchado, e outros não. Aprendi a conviver com ele e ainda não furei os meus sapatos. Ainda não...
Então, um dia de manhã fui sair com a minha motocicleta, meu brinquedinho como diz a minha mulher, para ir nadar em praia próxima, esquecendo-me de tirar o cabo de aço de segurança da roda dianteira. Um ato sem necessidade, este excesso de segurança em casa, pois está segurada e fica travada quando a deixo no jardim. A cabeça também esta começando a falhar. Irreversível.
Em ato automático, liguei a moto, engatei a marcha e sai, e ao virar na rua em descida acentuada, ela estancou e tombou de chofre. Cai na rua, arranhando o meu joelho, batendo uma costela no guidão. E o pé esquerdo: foi justamente amassado o meu joanete pelo pino da alavanca de cambio, que quebrou. Um acidente estupido! Fiquei fulo da vida.
Consegui voltar com a moto, um vizinho me ajudou a levantá-la e precisava resolver o pino quebrado, pois era imprescindível para levá-la ao mecânico. O que fazer?
Sentado no gramado de casa matutando, resolvi colar com “Durepox”, pois seria a maneira mais fácil e imediata de colocá-la em uso.
As dores começaram a ficar fortes e a incomodar bastante, tanto a costela, como o joanete, impedindo-me de locomover normalmente. Era custoso me levantar e caminhar. Doíam os dois locais. Fui gemendo comprar o adesivo e fiz a “gambiarra”, lembrando-me da minha época de engenheiro que muito se utilizava esse produto para vários consertos, sendo o mote da sua propaganda: seca até debaixo d’água!
Deitei-me no sofá de casa, com muito esforço e dor. O pé inchava a olhos vistos, tornando-se o dedão gordo e vermelho. E a dor, como a das crises de gota. Não conseguia mais dobra-lo, imobilizado pelo inchaço. Estava insuportável.
Não tinha posição deitado. Qualquer pequeno movimento doía muito a costela. E o dedão, como um pimentão, não podia ser tocado de forma alguma. Fora o meu mau humor da besteira que fizera e das suas consequências. Tive que aguentar as gozações de amigos para quem contei a minha façanha - me chamaram de caquético, receitaram “Fosfosol” e outras sugestões típicas para idosos. Que dia estava sendo aquele! Que dia...
Enfim, passados alguns dias tomando anti-inflamatório, o pé desinchara e a dor diminuíra bem. A costela doía ainda e doeria por bom tempo. O joanete, crescera um pouco mais.
Por enquanto não preciso abrir furos nos sapatos para ele, o joanete, poder aflorar como fazia o meu pai. Ainda não. Vamos ver até quando.