FELIZ NATAL... A CEIA DE DONA IZILDINHA.

O sol ainda demoraria a nascer e dar o ar de sua esplendorosa graça, quando o despertador do celular tocou na casa verde de número 367 da rua das Azaléias.

-"Três da manhã, mulher."

O marido Francisco se queixou e virou para o lado, puxando o lençol.

-"É dia 24 de dezembro e você sabe que eu acordo às três da madrugada. Bom dia pra você."

Ela abriu um sorriso.

O homem se virou.

-"Quer ajuda, paixão?"

Ela meneou a cabeça, negativamente.

-"Há quarenta anos faço tudo sozinha. Homem só atrapalha e as coisas desandam. A comida parece que sente e não sai do jeito certo.

Fique aí, você já me ajudou muito ontem."

No dia anterior, o casal fez uma autêntica romaria pelos supermercados e lojas, procurando promoções e os produtos para a ceia do natal.

Era tradição, a família se reunia, todos os anos, na casa deles pra ceia de natal. Os cinco filhos, todos casados, traziam suas famílias. Izildinha e Francisco se alegravam em receber os netos e netas.

A casa cheia de gente e de alegria, em

volta da mesa farta. Izildinha fechou a porta do quarto. Um banho rápido. O avental natalino sobre o vestido azul, sua cor favorita.

-"Dia de vestir azul, cor do manto de Nossa Senhora Aparecida. Vamos a luta que a Sapucaí é grande."

O dia ainda escuro. O presépio na sala, ainda sem a imagem do menino Jesus na manjedoura. Ela riu ao se lembrar da pergunta do neto Matheus.

-"Não vão colocar o menino Jesus na manjedoura, vó?"

Criança faz cada pergunta.

-"Não nasceu ainda, meu amor. Jesus nasceu no natal, no dia 25 eu deixo você colocar a imagem no presépio."

O rádio em volume baixo, sintonizado na Rádio Canção Nova. Os cânticos religiosos. Izildinha conferiu o cardápio.

O caderno de receitas do lado. A cesta cheia de frutas. As facas amoladas. Todo ano uma novidade, um toque de carinho e amor.

-"Vou usar a dica do Edu Guedes. Vou caprichar nas rabanadas."

A imagem de São Benedito na cozinha. Ela tirou a bacia com a marinada de três frangos inteiros da geladeira.

O aroma dos temperos inundou a cozinha. O peru estava há três dias marinando na mistura de temperos com vinho branco.

-"Tender, chester, pernil e lombo com abacaxi. Perfeito."

Izildinha usava o forno de dois fogões, o forno elétrico e o microondas. O bacalhau, comprado na feira do bairro, nadava no azeite, entre as ervas finas e batatas.

-"O arroz com amêndoas prefiro fazer um pouco antes da ceia, pra ficar fresquinho."

Seis rolos de papel alumínio, pra não faltar. A mesa cheia de alimentos. Os dois freezers abarrotados. Oito da manhã.

O filho Valdir tocou o interfone.

-" Bom dia, mãe. Vim buscar o pernil pra assar no forno lá de casa."

Izildinha tinha acabado de passar um café.

-"Bom dia, filho. Tive que pedir ao açougueiro pra cortar o pernil no meio, não cabe no meu forno."

Valdir estava feliz pois era visível a alegria dos pais na época do natal.

O carinho deles em casa detalhe: o pisca pisca, os anões no jardim, a linda guirlanda na porta, o presépio, a árvore, a toalha de mesa natalina, as almofadas com desenhos do natal, o papai Noel pendurado na garagem, as velas exuberantes.

O marido despertou. Tomaram café juntos.

-"Uma pausa pro café. Acabei de fazer rabanadas."

Valdir foi até a área dos fundos. Uma velha geladeira guardava as travessas de pavê de maracujá, manjar, salpicão de frango, patês de azeitonas pretas e canapés.

As garrafas de champanhe, sidra, espumante e vinhos.

-"Uau. A senhora está bem adiantada." Ela veio enxugando as mãos no avental.

-"Não disfarça, sei que pegou um canapé. Ainda tenho o cuscuz marroquino, a salada Caesar, arroz a grega, o antepasto de berinjela, fricassê de frango e o principal, o bolo de Reis."

Valdir concluiu.

-"Bolo de Reis pois o principal do natal é o aniversariante. Vou trazer melancia e sorvete pra ceia."

Izildinha se despediu do filho.

-"Não esqueça de pedir pra Tânia regar o pernil a cada meia hora."

A vizinha Gertrudes bateu palmas.

-"Ela sabe que temos interfone mas prefere bater palmas."

Disse o marido, voltando com uma jaca enorme.

-"Dona Gertrudes nos deu uma jaca de presente.

Nossa filha Lia adora jaca."

Izildinha fechou o cenho.

-"Jaca não é ruim mas o cheiro é forte. Vou convidar a família dela pra nossa ceia."

Uma parada ao meio dia. O filho Eliomar veio com a família e ficou pro almoço.

-"Trouxe chocotone e colomba. "

Eram quatro horas da tarde quando Izildinha terminou os preparativos da ceia de natal.

O rosto vermelho de ficar perto do calor do fogão. O suor.

Os ombros doendo. O sorriso no rosto. Um banho merecido. A missa na paróquia do bairro.

As famílias dos filhos chegando pra ceia. Os abraços. A mesa linda. Os pratos saltando aos olhos. As crianças correndo. A tevê ligada.

A revelação do amigo secreto. Os presentes. As fotos.

-"Amo essa farofa dentro do frango." Disse a neta Cinthia.

As caipirinhas de maracujá e melancia. Izildinha e irmã, Terezinha, com gorros de papai Noel.

Alguns vizinhos vieram desejar feliz natal pra família. A contagem regressiva. Os fogos. Todos na rua pra admirarem o foguetório.

Um silêncio na hora de servir a ceia. Olhos gulosos e momento especial de degustar tantas delícias. Francisco se levantou.

-"Um brinde. Ao menino Jesus, Deus conosco. Nossa fé, nosso rochedo. Um brinde a Izildinha, nossa masterchefe, que temperou tudo com amor por isso está divino."

Todos brindaram ao natal. Izildinha agradeceu.

-"Amanhã, após o almoço, iremos visitar o asilo. Não podemos esquecer daqueles que merecem carinho e atenção.

Agradecidos por mais um natal, mesmo com a pandemia."

A missa do galo na tevê. O papa Francisco no Vaticano. Algumas pessoas indo embora.

Izildinha, cansada, adormeceu no sofá. Os óculos caíram.

-"Vó. O menino Jesus."

A mulher acordou, assustada.

-"O que é que tem? São os soldados de Herodes?"

O garoto sorriu.

-"Não, vó. Tenho que colocar a imagem no presépio.

Já é natal."

FELIZ NATAL.

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 19/12/2021
Reeditado em 13/11/2023
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