Aqui É O Meu Lugar
-Eu não aguento mais. E na verdade nem sei o que estou fazendo aqui. Há dois anos venho aqui todas as semanas. E o que adianta. Só estou engordando sua conta bancária.
-Você está fazendo alguma coisa por si mesmo? Eu não opero milagres.
-E o que eu posso fazer pra me livrar desta insatisfação que só faz crescer dia a dia?
-Está tomando os medicamentos que o psiquiatra receitou?
-Não existe medicamento pra insatisfação. Acho que nem remédio existe.
-Mas existe medicamento para depressão.
-Você sabe que eu não tenho depressão. Eu tenho insatisfação.
-Podem ser sinônimos.
-No meu caso, não.
-E a que você atribui este vazio, esta falta de sentido na vida? Você tem tudo que uma pessoa pode desejar ter. É um empresário de sucesso, é inteligente, é bonito, tem tudo que quer. E se quiser mais coisas, pode comprar. As mulheres estão sempre brigando por você.
-Nada disto me faz feliz. A vontade que tenho é de abandonar tudo e ir para um lugar deserto, onde eu não precise de dinheiro, de status, de poder. Eu tenho muito mais dinheiro que eu preciso. Se parasse de trabalhar agora, se vendesse a minha empresa, eu viveria o resto de minha vida sem precisar trabalhar. Talvez aí esteja o segredo. Eu não preciso de muito pra ser feliz.
-E por que não faz isto então? Você é sozinho, não tem que dar satisfação a ninguém.
-Não estou acreditando que você está me dizendo isto.
-Assustou? Você tem uma semana pra pensar neste susto. Seu horário acabou.
Eu fiquei com cara de besta.
Saí do consultório do psicólogo querendo matá-lo.
Eu tenho quarenta anos, sou um empresário de sucesso. Herdei uma grande empresa pronta e rentável. Sou filho único e sempre tive tudo o que quis, mas também sempre estudei e trabalhei muito. Não tenho vícios a não ser trabalhar. Nunca me casei. Nunca encontrei uma mulher que eu amasse e muito menos que me amasse. A maioria sempre esteve muito mais interessadas no que eu podia oferecer.
Tenho poucos amigos, mas amigos leais e sinceros.
Quando foi que eu me perdi? Quando foi que a minha vida perdeu o sentido?
Eu nunca quis a vida que eu levo. Como filho único tive que assumir o comando da empresa quando meu pai faleceu, mas não era isto que eu queria. Eu gosto de música e de tocar bandolim, mas há anos eu não toco. Eu gosto de desenhar, mas tive que abdicar deste meu talento.
Ultimamente a insatisfação e o vazio têm tomado conta de mim, eu não consigo achar graça em nada. O trabalho está se tornando um fardo pesado demais e me oprimindo.
Fiquei pensando no que o psicólogo me disse.
A noite eu estava mais vazio e cansado de mim mesmo que nunca.
Tentei dormir pra esquecer de tudo.
Nesta noite eu tive um sonho estranho. Sonhei que caminhava em uma praia deserta. Uma praia tão linda e eu me sentia tão bem. Eu caminhava e cada vez as águas ficavam mais transparentes, o céu mais azul, a areia mais branca e fina sob meus pés.
Eu acordei sentindo uma paz que não sentia há muito tempo.
A noite, depois de um dia cheio de problemas e aborrecimentos, eu fiquei pensando naquele sonho.
No dia seguinte tomei uma decisão. Iria passar uns dias em uma praia bem tranquila e linda.
Pesquisei e consegui encontrar o local que queria. Resolvi o que precisava resolver e deixei o meu braço direito que também é meu grande amigo administrando a empresa e viajei.
Sempre gostei de viajar de carro. E lá fui eu. Tranquilo, sem pressa.
No dia seguinte cheguei ao lugar que escolhi. A cidade era um pouco agitada. Mais pra frente em uma praia havia uma vila de pescadores. A praia era linda como a que vi nos meus sonhos. Fiquei sabendo que num dos extremos da praia tinha uma casa de aluguel por temporada. Acabei alugando a casa.
Estava me sentindo muito bem. Caminhava pela praia logo ao amanhecer, passava pelos pescadores que chegavam do mar. Conversava com eles. Ouvia suas histórias.
Dias depois eu já estava ajudando os pescadores na chegada à praia. Logo no primeiro dia eles me deram peixes como pagamento pela minha ajuda. Eu achei a atitude simpática e agradável. Eu sorri, agradeci e pensei que ali eu era apenas mais uma pessoa comum. Eles não sabiam que se eu quisesse eu poderia comprar todos aqueles peixes e os barcos. Eu me senti bem porque ali o meu dinheiro não determinava o modo como eu era tratado.
Logo logo eles já me consideravam um amigo e confiavam em mim mesmo sem saber de onde eu vim ou quem eu era. Eu senti uma certa vergonha em pensar no meu mundo onde todos desconfiavam de todos e sempre tinha alguém querendo levar vantagem sobre outro.
Eles me chamavam pra almoçar na casa deles. E eu ia e sempre tinha uma saborosa comida, temperada com muito amor.
Mas a comida era sempre bem regrada, as famílias eram grandes e sempre passavam por dificuldades. Mas havia sempre muito amor e harmonia e as crianças eram felizes como eu nunca fui em minha vida de milionário.
Fui até a cidade e fiz compras para todos eles. Mandei entregar e exigi anonimato.
Foi uma grande festa e eu pensei em como aquelas pessoas ficavam felizes com tão pouco e me senti um ingrato pela minha insatisfação.
Eu me aproximei e eles vieram me contar que tinham mandado entregar comida, produtos de higiene e de limpeza. Disseram que não sabiam quem mandou e estavam pensando que era o prefeito.
Eu fiquei calado e festejei com eles.
Conheci todas as pessoas daquela vila e soube da história de cada um. Eles me tratavam como se me conhecessem por toda a vida.
Um dia me convidaram pra ir pro mar pescar com eles e eu fui. Foi uma experiência maravilhosa. Só que eu, como marinheiro de primeira viagem, mesmo tomando todas as precauções tive uma insolação de média gravidade. Eles me levaram pra casa e cuidaram de mim com seus conhecimentos e como se eu fosse uma pessoa da família.
Eu estava encantado e aquele convívio com aquelas pessoas e aquele lugar fez por mim o que mais de três anos de psiquiatra e psicólogo não conseguiram fazer. Pensei que o que eu estava precisando era de umas férias.
Durante um mês eu vivi naquele lugar. Fiz muitos amigos e me senti feliz como nunca.
Mas precisei voltar, precisava retomar meus negócios. Não podia abandonar a empresa para sempre. Não tive coragem de me despedir dos meus amigos e simplesmente desapareci.
Voltei pra minha rotina e dentro de algum tempo toda aquela insatisfação voltou.
Eu fui levando minha vida. Mas sempre me lembrava daquele lugar e de sua gente.
Tempos depois minha vida estava insuportável. Eu pensava que não conseguiria mais seguir em frente.
Uma noite depois de chorar muito e pela primeira vez pensar em suicídio eu tomei uma decisão.
Decidi abandonar tudo. Vendi minha empresa, comprei uma casa confortável mas simples aqui nesta praia, nesta vila de pescadores e me mudei definitivamente pra cá.
Todos acharam que eu estava louco, todos tentaram me fazer mudar de idéia, mas chega uma hora que uma força maior nos impulsiona para o nosso destino.
Aqui é o meu lugar. Aqui eu sou amigo de todos. Aqui eu sou igual a todos.
Comecei a investir em meus desenhos e a noite sempre toco meu bandolim.
Sempre faço trabalho voluntário e isto faz eu sentir que tenho uma missão nesta vida e que não é multiplicar dinheiro e sim multiplicar solidariedade, ajuda, amor ao próximo.
Sempre que vejo que o pessoal da vila está passando por dificuldade eu ajudo com alimentos ou medicamentos, com roupas ou calçados ou o que eles precisarem. Eles nunca souberam e quero que nunca saibam quem os ajuda. Isto não interessa a eles. Eles são felizes pelo simples fato de amarem uns aos outros e as dificuldades eles superam de uma maneira ou de outra.
Há algum tempo, eu estava sentado na praia desenhando na areia. Uma garota chegou e ficou olhando eu fazer o desenho. Quando a olhei eu me encantei. Eu nunca tinha visto aquela garota por ali. Ela morava em uma outra vila. Pela primeira vez na vida eu me senti encantado com uma mulher. Ela sorriu pra mim e ficamos conversando. Ela em sua simplicidade falava de coisas lindas.
Encontramos e conversamos muitas outras vezes.
Hoje ela mora comigo e ela me ensina todos os dias o que é o amor, o desprendimento.
Aqui eu descobri que preciso de tão pouco pra viver e ser feliz.
Aqui eu ajudo as pessoas e em vez de multiplicar, em um silêncio anônimo, eu divido meu dinheiro…