Francamente, Não Entendo os Humanos!

13.12.21

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Adotei uma família de humanos há algum tempo. Um casal mais velho sem filhotes em uma casa que agora é o meu lar. É como fazemos - nós definimos com quem ficamos não o contrario – peculiaridades da nossa personalidade independente e livre. Tenho o meu canto e recebo três refeições diárias de ração sem transgênicos, ótima para a saúde. Perfeita a minha nova família.

Também, o carinho que recebo deles, com mais acesso ao homem, me dá mais espaço, é mais dócil. A mulher, um pouco menos, é quem trata das minhas pulgas e carrapatos, salpicando-me no pescoço um liquido fedido para matá-las, de gosto forte e ácido, que às vezes, escorre pelo meu pelo e lambo. Gosto horroroso. Nestes momentos escuto o homem falar:

-Vai matar ele com esse Lysoforme que passa no coitado!

-Mas morre limpinho né Pebinha – replica rindo.

A menos do meu nome, Pebas - mistura de pidão e perebas que ela me deu, é perfeito o lugar onde vivo feliz. Mas nem tudo é ótimo nesta vida de gato de rua em novo lar. Têm os humanos a suas particularidades também, que às vezes, não entendemos muito bem.

Tenho instinto caçador e costumo abater alguns passarinhos, rãs e ratos - meus inimigos figadais, pelos jardins da casa e seus subterrâneos. E é de nossa natureza, trazê-los e mostra-los a quem nos dá carinho e guarida - nossa maneira de mostrar gratidão.

No começo, ainda sem ter total segurança da permanência na casa, pois algumas vezes corria assustado com um deles varrendo o chão com a vassoura - meu trauma - comia minhas prezas escondido, pois não saberia da sua reação.

Gradativamente, fui ladinamente conquistando o homem, que amolecido pela minha sedução gatuna, deixava-me deitar ao seu lado assistindo a televisão, ou subir no seu colo quente sentado no fim da tarde na varanda da casa, ronronado forte de prazer nesses momentos de interação felino-humano.

- Olha a folga do Pebas, Fernandinho? Você mima muito esse gato! – dizia-lhe a mulher vendo-me aninhado gostosamente sobre as coxas dele. Às vezes, subia no colo dela, mas ficava pouco, sempre dizendo sobre minhas pulgas e outros bichos que carregava por perambular pelo bairro à noite. Acho um insulto, pois não sou pulguento ou cheio de perebas, mesmo tendo esse nome ridículo.

Então, certo dia no meio da tarde, estava o homem sentado à mesa absorto com o computador, quando lhe trouxe um pássaro recém-abatido no jardim. Um pardal. Aninham-se no forro do telhado e os aguardo escondido e inerte nas folhagens dos canteiros, esperando o momento de pegá-los. E quando vacilam pulo certeiro e fulminante.

Foi o que aconteceu naquele dia. Um pardal descuidado assentou em galho de uma das roseiras quase ao meu lado. Pulei decidido e firme o abocanhei . Ele se debatia para fugir inutilmente. Aguardei a sua luta até desfalecer. Depois, destronquei sua cabeça, que ficou pendida. Abatido totalmente.

-Vou mostrar a minha gratidão ao homem de quem recebo tanto carinho e atenção, levando-lhe esse suculento presente – pensei caminhando para a casa com o bicho ainda quente na minha boca. Estava feliz em mostrar-lhe assim a minha felicidade em conviver com eles. Um ato de gratidão e comunhão felina, deduzi.

Com passos leves e macios, aproximei-me silenciosamente da sua mesa, deitando-me no chão com a presa na boca. Soltei-a entre os meus braços estendidos, jogando-a de um lado a outro. A cabeça se soltou rolando à frente, chamando-lhe a atenção.

-Pebas o que é isso? – levantando-se da cadeira em minha direção. Deixei-lhe o presente, sentando-me perto, esperando ser acarinhado de gratidão. Era o esperado não é mesmo?

-Caramba, um pardal! Você matou um pardal e lhe arrancou a cabeça. Que judiação – disse-me com voz firme, mas não bravo. Pegou um saco plástico e colocou o seu troféu dentro, jogando-o no cesto do lixo. Que desfeita!

Fiquei atônito, não entendendo nada. Andei em volta onde depositara a caça, cheirando os odores ainda quentes, inconformado.

-Não acredito! O que você fez com o presente que lhe dei com tanto carinho? Jogou no lixo? –miando desacorçoado.

Saí da sala indignando e ofendido. Francamente, não dá para entender os humanos, não é mesmo?

Fernando Ceravolo
Enviado por Fernando Ceravolo em 13/12/2021
Código do texto: T7406496
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