Nem toda pedra se torna seixo - BVIW
Tema: Nem tudo se perdeu (conto)
Maria um dia abriu os olhos. Olhou pra si e enxergou uma mulher completamente anulada. Casada há anos com João, de temperamento forte e extremamente controlador, foi ela abrindo mão de si e de suas convicções para adequar-se ao casamento. Sua tia Lia, com mais de sessenta anos de casamento, um dia lhe disse: - Minha filha, comparo o casamento com duas pedras brutas, cheias de pontas. O casamento é a arte de colocar as duas pedras num saco bem justo e o tempo ir batendo ambas, até que elas fiquem bem lisinhas, parecendo dois seixos.
Maria pensou que o tempo faria com que ela e João ficassem como os seixos. E insistiu até não poder mais… Mas um dia ela percebeu que os dois, se fossem pedras, estariam mais quebrados que inteiros. Não era ali o caso de apenas aparar arestas. Pensou que a receita da tia não serviria para todo tipo de minério. Viu-se tão quebrada, tanto quanto João. No entanto, ainda estavam vivos, e emendou: antes tarde, do que tarde demais. Do casamento desfeito sobraram os filhos que amava, as lições que aprendeu e ensinou, o trabalho que os sustentou, o sol de dia, a lua e as estrelas de noite. Sobrou o mar que tudo recolhe na maré alta e tudo regurgita. Sobraram os dois, claudicantes no caminho novo, com a esperança de um dia conseguirem correr e, quem sabe, até voar!...