ALTAS NEGOCIATAS

ALTAS NEGOCIATAS

- ARISTEU FATAL

Antero Roberval Soares de Freitas. Um nome bem representativo. E fazia jus a seu possuidor. Alto executivo de uma empresa multinacional, seu relacionamento nas rodas da elite empresarial era reconhecido no país inteiro. Na realidade, não nasceu em berço de ouro. Família simples de Valparaíso, no interior de São Paulo. O pai, velho funcionário de uma empresa beneficiadora de cereais, na função antigamente chamada de “guarda livros”. A mãe, professora no grupo escolar da cidade, benquista por todos, tida como uma mestra daquelas inesquecíveis pelos seus alunos, quando na conversa se falava dos tempos de aprendizado do “a, e, i, o, u”. Além disso, Antero com aparência muito bonita, porte atlético invejável, se destacava nos esportes que praticava. Perante a ala feminina fazia grande sucesso. Já na fase pré-vestibular, veio morar em São Paulo, na casa de seu tio, irmão da mãe. Seu objetivo era cursar a Getúlio Vargas, pois tinha grande admiração pela carreira de administrador de empresas. Como não podia ser de outra maneira, sua aprovação no referido curso não foi surpresa, eis que, possuindo ótima base de conhecimento, adquirida pela aplicação nos estudos, não podia ter um fim diferente. Fez um curso excelente, e o resultado das diversas premiações que obteve, foi um lugar garantido na empresa multinacional referida. Começou como um simples “treinee”, e com o passar do tempo galgou os mais elevados cargos da companhia, chegando a se tornar um de seus diretores. Já na faculdade conheceu Eliana Figueiredo, filha de um tradicional dono de indústria paulistano, na área de metalurgia. Bonita, simpática, logo nos primeiros tempos de aula houve a aproximação entre eles, que resultou em casamento. Tiveram um casal de filhos, Érica e o caçula Thiago. Ambos, frutos de uma família bem estruturada, seguiram carreiras de futuro, formando-se médicos de renome, ela como especialista em cirurgia plástica e ele doutor em cardiologia. Antenor se sobressaia, em sua atividade, como hábil negociador. Dificilmente, via seus posicionamentos não serem atendidos. Em Brasília tinha portas abertas. O tempo passou e ele chegou à aposentadoria. Mas, não parou. Montou um escritório na Berrini, em São Paulo, e, em seu cartão de visita, lia-se:

ANTERO ROBERVAL SOARES DE FREITAS

Diplomacia Empresarial

Nada mais, nada menos do que um lobista.

- CLÉA MAGNANI

Realmente Antero sempre fora muito ambicioso. Negócios muito lucrativos mexiam com sua ganância. A certeza de que ele sabia como fazer, e de que o “lobismo” era um termo assim, ainda meio dúbio, entre as diversas interpretações sobre se seria crime ou não, já que, no Brasil, nem a certeza de que o lobby caracterizaria um crime, pois, segundo os termos de artigos como os (317 e 333, CP) o consideraria caso de corrupção passiva e ativa) poderia ser visto como a advocacia administrativa (art.321, CP) ou como tráfico de influência segundo (art. 332, CP). O crime de corrupção apresenta-se dividido nas condutas de quem corrompe e de quem é corrompido, portanto, nas modalidades passiva (art. 317, CP) e ativa (art.333, CP) aquele que pede ou recebe vantagem indevida ou aceita promessa de recebê-la, em razão da função, pratica crime de corrupção passiva, isto é, trata-se de crime praticado por funcionário público. E mesmo contendo a expressão “passiva”, o praticante do crime pode ter papel “ativo”, solicitando vantagem para que deixe de fazer seu trabalho, ou ainda, faça algo que não é condizente com suas funções, não deveria fazer, ou deixe de fazer algo que deveria fazer. Veja-se que sempre alguma negociação pode haver entre o lobista e o funcionário público. Ocorre que no lobby, a intenção de influenciar não passa pela prática de ilícito, mas em decisões, ajustes, e argumentações políticas de interesse das partes, entre outros meandros das Leis recheadas de brechas para favorecerem a “quem sabe dar um jeitinho”... E disso Antero entendia muito bem. Seu sonho era ver seu filho Thiago em Brasília, ocupando o cargo que lhe rendesse mais vantagens, pois mesmo com sua liberdade nos corredores do Congresso, ele não era político, e para obter vantagens administrativas, só sendo um lobista, e para tanto teria de ser um político. Em seu luxuoso escritório, recebeu naquela tarde a visita do secretário de importante Senador da República, com quem passou o resto da tarde em conferência particular. Depois de um lauto jantar no Restaurante do Edifício Itália, apreciando a imensa massa populacional da Locomotiva do Brasil ao acender das luzes, degustando as iguarias italianas servidas em profusão e regadas a vinhos estratosfericamente caros, como exigia a situação, tudo ficou acertado. Seu filho já estava dentro do Coração administrativo do País. Agora só seria convencer Thiago a assumir o Ministério da Saúde. E disso ele se encarregaria com todo o prazer!

- ALBERTO VASCONCELOS

Sem grande dificuldade o rapaz aceitou os argumentos do pai para assumir a chefia do ministério. Seria o trampolim para galgar postos bem maiores na administração pública e, por conta disso, carrear fundos para a fortuna que crescia vertiginosamente em paraísos fiscais. Os anos se passaram e o filho, que aprendera com o pai os meandros das negociatas, firmou-se no mercado como notável player. Mas nem sempre o que é acordado entre os “amigos” está livre de interferências ou, principalmente, delações. Antes das seis da manhã, o vigia da mansão avisou que a Polícia Federal queria falar com ele. Já na sala de visitas, pai e filho tomaram conhecimento do mandado de prisão, busca e apreensão oriundos do processo que corria em sigilo de justiça. Antes de disponibilizar o imóvel para o cumprimento do mandado, os advogados da família foram chamados para acompanharem a operação que durou a manhã toda. Antero Roberval, sentado em sua poltrona favorita, recusou-se a prestar quaisquer esclarecimentos sobre as caixas com vultosas quantias em espécie descobertas no “espaço secreto” por trás da estante de mogno, repleta de livros raros, muitos dos quais eram cenográficos para camuflar as caixas onde estavam guardadas armas e muita munição de vários calibres. Na sala cofre, cujo único acesso se fazia por alçapão sob o rico tapete persa, foram encontrados dezenas de dossiês com detalhes sórdidos das ações de várias “autoridades” associadas às “diplomacias empresariais”, além de computadores, disquetes e pen-drives. As horas se escoavam pelos ponteiros do relógio de coluna. O mordomo trouxe o carrinho de chá, serviu a xícara de porcelana chinesa e ao tentar entregar, notou que o senhor Antero estava lívido, a cabeça recostada no espaldar acolchoado da poltrona, olhos semicerrados. Ao toque, sua mão estava gelada. Com a serenidade que sempre caracterizou o seu comportamento, o mordomo chamou a atenção do Dr. Tiago que identificou o infarto em andamento. O resgate médico se encarregou do atendimento enquanto o Dr. Tiago era levado para a sede da Polícia Federal em companhia dos seus advogados. Num lapso de tempo, o senhor Antero rememorou a sua trajetória de vida. Os tempos no interior do estado, o casamento, o nascimento dos filhos, as formaturas, o crescendo do seu envolvimento com o submundo da ilegalidade que se transformou na imensa fortuna, o sentimento de culpa pelo envolvimento o filho nesses esquemas... no caminho para o pronto socorro, escapou da primeira parada cardiorrespiratória, mas não da segunda.

Aristeu Fatal e Aristeu Fatal; Alberto Vasconcelos; Cléa Magnani
Enviado por Aristeu Fatal em 06/12/2021
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