Os Pêssegos do Natal
05.12.21
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Dezembro é a época dos pêssegos. Também do Natal.
Este será o meu primeiro Natal sem os meus pais. Meu pai, há mais de vinte anos nos deixou, e minha mãe, não faz três meses que partiu. Sensação de vazio, de perda profunda. Agora, somos órfãos minha irmã e eu .
Hoje, comendo um pêssego suculento, tenro e doce, me fez voltar à lembrança daquela época em que éramos uma família completa. Era muito bom comemorar alegres e felizes esta data.
Lembro-me da expectativa de qual presente ganharíamos: da surpresa e felicidade ao abri-lo junto à bela arvore de Natal montada na sala da casa – um pinheiro verdadeiro que se vendia somente nesta época do ano, não como hoje, de plástico. Meu pai o comprava em final de semana no inicio do mês de dezembro, e o trazia para montarmos. O enfeitávamos com bolas coloridas de vidro, finas e delicadas, que ao menor descuido se quebravam. Elas me fascinavam, imaginando como eram feitas, pois a sua delicadeza me impressionava. No topo da arvore, colocava-se uma estrela pontuda, também de vidro prateado simbolizando a estrela de Belém. Ficava linda e imponente, dominando a sala e a nossa fértil imaginação infantil.
Dos típicos biscoitos alemães em forma de coração, estrela, bichos, Papai Noel, dependurados pelos galhos da árvore, liberados para serem comidos só depois da ceia. Uma delícia passar por ela e pegar um deles e come-los durante o período em que ficava montada. Passado o dia de Reis, a desmontávamos, devorados todos os biscoitos e os adereços guardados cuidadosamente para o próximo Natal. Bons tempos...
De cantarmos em alemão para os meus pais, minha irmã e eu pequenos, “O Tannenbaum”- musica alemã sobre os pinheiros, em frente a arvore– minha mãe tinha ascendência alemã, e fazia questão de manter essa tradição – fizera o mesmo quando criança para os seus pais. Cantávamos rapidamente, ansiosos para logo abrirmos os presentes antes da ceia. Nossa alegria pueril era transbordante.
Das deliciosas comidas que minha mãe preparava: o peru e o pernil suíno assados, extremamente macios e saborosos. A lasanha a bolonhesa maravilhosa, que ela mesmo fazia a massa, fina como uma folha de papel, regada com o seu inigualável molho de tomates, de paladar suave e marcante. O salpicão de galinha, o bolo de frutas cristalizadas com nozes; as uvas, maçãs, ameixas. E os pêssegos, importados do Chile, enormes e amarelos, perfumados. Era uma delicia a comemoração, às vezes com a participação das famílias dos meus tios, irmãos do meu pai. Uma festança alegre e feliz. Bons tempos mesmo.
Fomos crescendo, deixando de cantar, mas continuando a celebrar sempre com boa comida e bebida, como rege a tradição italiana, descendência do meu pai.
Ainda comendo aquele pêssego delicioso, que desencadeou todos estes fatos guardados fundamente na memoria, veio-me um detalhe peculiar que meu pai só fazia naquela data:
Logo após o lauto jantar na véspera do Natal, depois da meia noite, ele cuidadosamente escolhia um belo pêssego, cortava-o em pedaços e os colocava em seu copo com vinho tinto, às vezes branco, deixando-os por alguns minutos se encharcarem da bebida, tornando-os meio avermelhados e apetitosos. Menino curioso, atento acompanhava o seu ritual.
Depois, tomava apreciando com vagar aquele vinho aromatizado com o pêssego, comendo junto os pedaços da fruta nele embebida, como sobremesa, degustando cada gole prazerosamente de olhos fechados. Estalava forte o lábio a cada bebida. Sempre me dava um pedaço do pêssego, sentindo o sabor agridoce da fruta e do vinho, uma delicia mesmo. Mais velho, preparávamos esse néctar juntos, que só no Natal a tomávamos estalando, os dois, os lábios de prazer. Um ritual entre pai e filho, marcante e inesquecível. Boas lembranças.
Hoje, não a preparo mais no Natal, talvez os pêssegos não sejam iguais aos daquela época, ou por que meu pai não esteja mais junto, e agora sem minha mãe também. Perdeu a graça.
Inesquecíveis os nossos pêssegos do Natal.
Feliz Natal!