Sufoco

Sufoco (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras)

Noite de dezembro do ano de dois mil e vinte um. Vinte horas, na padaria da esquina, uma jovem psicóloga entra para comprar pães. A atendente logo se aproxima. Com sorrisos nos lábios, elas se cumprimentam. São grandes amigas e comentam a vitória do Clube Atlético Mineiro no campeonato do ano. Obteve uma vitória sobre o time da Bahia. Com o resultado, sagrou-se campeão do ano. Na praça, logo abaixo da padaria, a grande festa entre os torcedores. Vários fogos eram ouvidos, músicas e hinos ao time do coração. Carreata, pessoas gritando que o time foi campeão, enfim, coisas de torcedores do futebol brasileiro.

Entrando no recinto, um jovem de mais ou menos vinte e dois anos se aproxima. Estava ele vestido com a bermuda preta, com detalhes na cor branca. O tênis na cor preta e as meias brancas, os quais combinavam com as cores do time do coração. Podia-se ver a camisa oficial do Clube Atlético Mineiro sobre o corpo. O boné, com o emblema do time, era visto sobre a cabeça. Enrolado na bandeira oficial e na mão direita percebia-se que ainda tinha meia lata de cerveja e aos poucos dava alguma golada e dizia que o time do coração foi campeão.

Acuadas no canto esquerdo do balcão, as duas moças ficavam espantadas com o comportamento do jovem recém adentrado no estabelecimento. Comentavam entre si sobre a partida de futebol, mas ambas eram unanimes em dizer que não gostavam de jogos de futebol. Outros clientes, que estavam dentro do estabelecimento, ficavam atentos nas cenas vistas ali dentro. Um senhor de mais idade ficou feliz em ver a disposição do jovem comemorando a vitória do time. Outro, de meia idade, nem mesmo importou. Dizia que não apreciava jogos de futebol. A colaboradora do caixa sorria, pois também era atleticana e não pode ir ao bar assistir à partida de futebol.

A psicóloga, vendo aquela situação, comentou com a amiga que o momento era difícil. Ela via lágrimas nos olhos do jovem. Talvez estivesse chorando de alegria ou de tristeza, porém não seria tristeza, mas o momento era de grande dificuldade. Disse para a amiga que não era um comportamento normal do ser humano. Mergulhou em alguma teoria da mente humana e teceu um longo comentário para a amiga, com explanações científicas até chegar a um consenso de que deveria se aproximar do jovem e dizer algo.

Com o embrulho dos pães em uma das mãos, ela, vagarosamente, se aproximou do jovem e disse:

- Boa noite, senhor. Em que posso lhe ajudar. Sou psicóloga e vejo que a situação não lhe está nada normal. Não está embriagado, nem mesmo apresenta indícios de uso de produtos narcóticos. Está feliz, mas também apresenta traços de tristeza.

Foi interrompida pelo jovem, que imediatamente retrucou:

- Obrigado por preocupar comigo. Sou o “Fulano de Tal”. Trabalho na Pousada da Dona Maria. Sou casado e tenho dois filhos. Assim prosseguiu:

- Há cinquenta anos, nesta mesma data, e também nesta mesma hora, minha mãe, de nome Joana, deu-me à luz ao mundo. Em pleno dia de decisão do futebol e do primeiro campeonato brasileiro, o médico que assistiu a minha mãe, disse que eu seria um torcedor atleticano doente pelo time. Falo para a senhora eu sou. Assisto a todas as competições em que o time participa. Alegro-me com as vitórias e também choro pelas derrotas. Fui ao fundo do poço quando meu time do coração foi jogado para a segunda divisão do campeonato. Curvei-me com os insultos de torcedores opostos a meu time do coração. Alegrei-me no ano seguinte em que ele saiu da segunda divisão com o título de campeão, título que me deixou feliz em saber que meu amado time estava garantido na primeira divisão do campeonato. Fiquei mais feliz em ver que meu tive ganhou os títulos da Libertadora e também da Copa da Brasil. Fui ao exterior assistir à partida para o campeonato mundial, mas o time foi massacrado e perdeu. Não desisti.

As duas jovens, olhando para o moço ali, que no momento, sentou-se a uma cadeira que estava ao lado da mesa, apreciavam lentamente a exatidão com que ele contava. A psicóloga, pondo a mão esquerda nos ombros dele, parecia estar vivendo os problemas daquele jovem.

O jovem prosseguiu:

- No ano passado, meu time quase foi campeão, mas faltou vitórias e mais uma vez adiei para comemorar o título. Sofri com os jogos deste ano. Pulei, gritei, chorei e até mesmo quase me infartei nos últimos jogos. Hoje, principalmente, quando o time perdia por dois gols e em cinco minutos viramos o jogo e sagramos campeões.

- Não estou embriagado. Estou tomando esta única latinha de cerveja que ganhei de meu primo. Não sou de bebida, nem mesmo sei o que é beber. Estou muito feliz e gostaria de comemorar a vitória com alguém...

As duas, tanto psicóloga quanto a atendente, não sabiam o que dizer. Se dissesse alguma coisa diferente do pensamento dele, a reação poderia ser estranha, mas as duas balançavam a cabeça como se estivessem concordando com as expressões ditas por aquele jovem.

O tempo foi passando. Outras pessoas chegavam à padaria e observavam as atitudes deles. Pensando um pouco mais, a psicóloga resolve dizer:

- Moço, você é jovem.

- Precisa comemorar tudo de bom com a vida. Viver é uma dádiva de Deus, pois somos filhos Dele e sempre estaremos felizes com o que sobrevir. Pense no êxito desta conquista. Você precisa comemorar com alguém.

O pequeno silêncio pairou entre eles. A psicóloga afagava o ombro amigo do jovem. A vendedora parou de atender e estava perto da figura do jovem. Ele, com olhos cheios de lágrimas, chorava a cada momento. Olhava para acima e não via algo de bom entre os que lhe aconselhavam.

Então, por algum momento, as duas moças se afastaram um pouco e cochicharam entre si. Disseram alguma coisa uma para a outra. Aproximaram, mais uma vez do rapaz, que a cada momento respirava fundo como se estivesse procurando por ajuda. Uma delas assim falou?

- Amigo, você precisa comemorar a vitória ao lado de quem realmente gosta de você. Hoje, o amor é uma conquista do ser humano perante algo dentro de si. Amar é estar unido e sintonizado ao universo. Ame os filhos, ame o próximo, ame as belezas e os encantos da natureza. Ame também os pássaros, pois eles são a orquestra natural da música. Ame os animais e principalmente o cão, que ali está, do lado de fora deste estabelecimento, aguardando alguém para lhe dar um pedaço de pão. Ame, também, as aves...

- Sim, levantando o jovem a cabeça, disse que amava muito as aves, principalmente amava as galinhas, sendo o primordial o galo.

Insistindo mais uma vez, a psicóloga disse:

- Compartilhe esta conquista de seu time do coração, o Atlético Mineiro, o Galão da Massa, o time campeão do ano de dois mil e vinte e um, compartilhe com a família, com os pais, filhos, sogro e sogra, cunhados e principalmente com a esposa...

Ele, olhando mais uma vez para as duas amigas que ali se fizeram amigos, erguendo a cabeça e aumentado mais os soluços e o choro ainda mais fortes, disse:

- Infelizmente não posso compartilhar com eles este lindo momento. Caso eu volte para casa agora, vestido deste jeito, com a bandeira deste lindo time sobre mim e também com a latinha de cerveja, estou sentenciado de morte.

- O que?

Repetindo mais uma vez, a psicóloga retrucou rápido.

- Sim, Senhora! Ele respondeu e continuou...

- Não posso ir para casa comemorar com a família. Caso eu vá para festejar, estarei sentenciado de morte...

- O que? Perguntaram as duas moças bem assustadas.

Ele, chorando, assim disse:

- Não posso ir comemorar o título de campeão em minha casa. Se for, estarei sentenciado de morte, porque toda a minha família, incluindo esposa, pai, mãe, filhos, sogro, sogra, cunhados e sobrinhos são todos “cruzeirenses”. Eles são torcedores do Cruzeiro Esporte Clube. Assim, chegando lá com o título de campeão, certamente serei enterrado no dia seguinte.

JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO
Enviado por JOSÉ CARLOS DE BOM SUCESSO em 05/12/2021
Código do texto: T7400603
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