BINÓCULOS
BINÓCULOS
O relógio parou à meia noite. Retirei-o do suporte de prego e fui vasculhando gaveta por gaveta, na esperança de que pudesse encontrar uma única pilha nova, para fazer a troca. Há anos, que aquelas gavetas não eram limpas! Nelas, vou encontrando de tudo: papéis sem importância, tocos de velas, molho de chaves em desuso, pedaços de imãs, tampinhas de garrafas, rolhas, remédios vencido, e tudo que se possa imaginar. Ha muito que o tempo parou para mim; apenas o relógio com seu tic, tac, me faz companhia, nos dias e noites de solidão. Continuo revirando nas gavetas, e uma por uma, me dou conta, de que muita coisa alí, ja deveria estar a tempo, no lixo. Me contenho em não querer abrir a última, pois o coração acelera, em saber que ali está boa parte da minha história, registrada em álbuns e pequenos binóculos de fotografia. O impulso, me faz tocar e percorrer cada lembrança registrada: página por página. A emoção vai me tomando de corpo inteiro: o registro das festas em família, as confraternizações nas empresas nos finais de ano, os passeios, os amigos, tudo, a cada toque percorrido, com a ponta dos meus dedos, estão ali. Percebo, que os sorrisos dos retratos, permanecem ainda cheios de encantos, mas os olhares, perderam a destreza e o brilho, em um tom ligeiramente opaco. Vou me esforçando para deixar tudo, da forma como estava, mas os binóculos me acendem à curiosidade. Meus olhos já não me ajudam tanto, mesmo assim, me posiciono com um olho só, contra a luz, olhando através do visor, do pequeno aparelho. Alguns rostos diluídos, outros que nem me lembro mais, vão aos poucos sendo encobertos por um ferrugem amarelado, até que as personagens das imagens, desapareçam de vez. Parece amanhecer! Vou sair, e deixar que às portas se fechem atrás de mim, sem me importar com o relógio nem o desarrumar que ficou das gavetas. Há alí, um pequeno pedaço de espaço, onde vou me ajeitando e fazendo amigos, sei, que os dias serão longos e os tempos hão de ser desafiadores. Olho a minha volta, e vou percebendo que por aqui, vão se arraigando muitos iguais, diluídos através das lentes dos binóculos. Acho que já estamos no findar do outono, mas na chegada do inverno, todos se aquecerão entre si.
De: Rodrigues Paz
(Autor)